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A Constituição é uma “folha de papel” quando o objetivo é punir?
A fexibilização da Súmula
Vinculante dos crimes tributários
Por Francisco do Rêgo Monteiro Rocha Júnior
A
companhar o exercício da jurisdição cons-
titucional faz com que frequentemente
rememoremos a célebre noção de Ferdi-
nand Lassale, para quema Constituição não pas-
sa de uma “folha de papel” se ela não é defendida
e reafrmada constantemente pelos fatores reais
e efetivos de poder. Como principal “fator real e
efetivo de poder” nessa seara, tem-se oSupremo
Tribunal Federal, cuja missão é defender a Carta
Magna, ainda que o seja sob as vaias da maioria,
justamente para que as minorias possam ser sal-
vaguardadas.
Contudo, o desempenho desse papel tem sido
frequentemente abdicado, como exemplifca
o julgamento do Habeas Corpus 96.324 pela 1ª
Turma da Corte Suprema. Nesse precedente, di-
vulgado no Informativo 631 do STF, entendeu-se
que não é exigível o término da fase administra-
tiva junto à Receita Federal – na qual, por exem-
plo, o contribuinte pode impugnar a legalidade
ou os valores cobrados pelo Fisco – para a pro-
positura de uma ação penal pelo cometimento
de crime contra a ordem tributária, como se ve-
rifca se sua respectiva ementa: “(...) Versando a
denúncia, folha 100 a 129, esquema a envolver
empresas visando à prática de sonegação fscal, descabe exigir, para ter-se
a sequência da persecução criminal, o término do processo administrativo-
-fscal. (Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 14/06/2011). Desde
então, frmou-se tal julgado como paradigma na 1ª Turma para casos seme-
lhantes, como se verifca do HC 104325 (Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO,
Primeira Turma, julgado em 18/10/2011) dentre outros.
Um leitor mais apressado poderia indagar qual seria a relação entre tal deci-
são e a temática da “folha de papel”. E poderíamos responder “nenhuma”,
se não estivesse emvigor no Brasil desde a data de 02 de dezembro de 2009,
a Súmula Vinculante n. 24, assim delineada: “Não se tipifca crime material
contra a ordem tributária previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8137/1990,
antes do lançamento defnitivo do tributo”.
Ou seja, o art. 103-A da Constituição da República, que estabelece que a
Súmula Vinculante deve ser aprovada pela maioria qualifcada de dois ter-
ços dos seus membros, e que a partir de então, terá efeito vinculante não
somente em relação aos demais órgãos do poder judiciário, mas também à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e mu-
nicipal, foi simplesmente ignorado pela Corte Maior de nosso país. Da mes-
ma forma o foi a própria Lei 11.417/2006 que regulamentando o referido
artigo da Constituição, estabelece no § 3o do art. 1º respectivo que também
a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula com efeito vinculante
dependerá de decisão tomada por dois terços dos membros do Supremo
Tribunal Federal, em sessão plenária. Em suma, além de ter sido material-
mente agredida a Súmula (seu conteúdo foi absolutamente ignorado) foi
também formalmente atacada (o procedimento para alteração ou cancela-
mento não foi adotado, e jamais poderia sê-lo por decisão de Turma).
A inconstitucionalidade, a ilegalidade e a inobservância da Súmula Vincu-
lante que rege a matéria chamam ainda mais atenção quando direcionamos
nossa atenção para o entendimento da 2ª Turma do STF. É que esse órgão
tem mantido aplicabilidade da Súmula, como se vê de Habeas Corpus jul-
gado após a mudança de entendimento procedida pela 1ª Turma: “(...) 1. É
pacífca a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à necessidade
Francisco do Rêgo Mon-
teiro Rocha Júnior, ad-
vogado criminalista, é
mestre e doutorando em
Direito pela UFPR, Coor-
denador da Pós-Gradua-
ção em Direito e Processo
Penal da ABDConst (Aca-
demia Brasileira de Direito
Constitucional)
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