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Abordagem Colaborativa
Refexão sobre a Advocacia Contenciosa no
âmbito familiar e corporativo familiar
Por Marcello Vieira Machado Rodante*
A
pós pouco mais de doze anos atuando como
advogado em questões de litígio, no qual o in-
teresse apresentado pelo cliente é defendido
de forma combativa e enérgica, em
um forte e estratégico jogo de ganha
ou perde, regado, contudo, a incerte-
zas e imposições naturais das lides
processuais, deparei-me como uma
abordagem diferente da advocacia
tradicional - se assim é possível di-
zer -, ou seja, outra forma de ver e
compreender o papel do advogado,
especialmente no campo familiar e
corporativo familiar (mas não neces-
sariamente adstrita somente a esses
dois campos).
É que a tão arraigada e incrustada
cultura do litígio, da combatividade
aos extremos por meio do processo,
poderia ou deveria - em alguns ou
muitos casos, é difícil de precisar -
ceder passo a outra perspectiva: a
de não se fomentar, direta ou indire-
tamente, a demanda, o litígio, o anta-
gonismo entre as partes, mas sim a
de encorajar e procurar - ativamente
- a reaproximação das partes, a re-
construção da ponte do diálogo en-
tre elas, não apenas para obtenção
de um acordo extintivo do processo
(seja ela ainda estado de eclosão ou
já em curso), mas especialmente para ajudá-las em
Divulgação
* Marcello Vieira Machado Rodante, advogado, membro
do Comitê Brasileiro de Arbitragem
diversos outros sentidos, como, por exemplo, no entendimento mútuo de Direitos e Obri-
gações; fortalecimento pessoal de cada qual para situações futuras com similar potencial
litigioso; compreensão das reais causas da crise instalada; desenvolvimento pessoal e su-
peração de obstáculos (empowerment) etc.
De fato, se não todos, a maioria dos processos litigiosos representa ou decorre de uma cri-
se interpessoal, de uma crise humana relacional, a qual não se instaura por força do mero
acaso, sem a co-participação, em maior ou menor grau, dos envolvidos.
Portanto, com certa variação, ambas as partes contribuem de alguma forma para a forma-
ção ou expansão da crise em que se encontram; e, seus respectivos advogados, muitas
vezes, ao serem chamados, consultados ou contratados, diante da cultural missão de de-
fender “os interesses de seu cliente”, acabam aumentando a crise relacional e o antagonis-
mo existente entre as partes; e, igualmente, nem sempre a obtenção de um acordo é capaz
de colocar fm à crise, especialmente quando o diálogo remanesce apagado e distante da
realidade.
É verdade, e não pode ser negado: muitos clientes - num primeiro momento - sentem-se
amparados por aqueles advogados que demonstram voracidade, sagacidade, ímpeto de
“Justiça”, enfm, que “compram” a ideia, a versão do cliente; e, pelo reverso, muitos clientes
não se sentem tão amparados por aquele advogado que busca diminuir, suavizar ou reme-
diar a situação apresentada, mediante a proposta de resgate do diálogo e releitura de toda
a situação, bem como das causas (e não dos simples efeitos) daí decorrentes; antevendo,
no franco litígio, não a primeira, mas a última opção a ser utilizada.
Possivelmente por isso as chamadas práticas colaborativas (collaborative law) ainda não
sejam tão desenvolvidas no Brasil, quem sabe por isso a mediação transformativa também
não esteja tão difundida em nossa cultura; mas isso, vale a previsão, irá mudar.
Fora do Brasil tais institutos, formas de abordagem ou maneiras de lidar com os confitos
humanos têm apresentado seus ricos frutos e provado sua efciência.
Aliás, mesmo que no Brasil venham crescendo os modelos alternativos ou adequados de
solução de confitos, mesmo que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) venha incentivan-
do as práticas conciliatórias e de mediação, assim como os diversos Tribunais igualmente
assim o façam, é fundamental que os advogados, os juízes, os cidadãos em geral passem
a compreender que até mesmo mais importante do que fndar um processo por meio de
um acordo, seria incentivar, fomentar, encorajar as partes a resolverem suas desavenças
e disputas por meio do verdadeiro e direto diálogo (entre elas), para que os acordos daí
advindos não representam um mero ou frio papel, mas espelhe uma nova e desejada dinâ-
mica a ser seguida.
Enfm: a disseminação dessa abordagem poderá ser vista por muitos como utópica, mas o
tempo se encarregará de provar o contrário àqueles que assim pensarem.