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Tribunal do Júri Brasileiro não
é aquele que vemos nos flmes
Por Rodrigo Faucz Pereira e Silva
C
ada vez que um caso de natureza criminal é ampla-
mente divulgado pela imprensa, surge uma série
de debates sobre o processo e de que forma a so-
ciedade espera que o Poder Judiciário atue.
Basta perceber, por exemplo, os trágicos casos do ga-
roto Bernardo e do ex-deputado Carli Filho. Por mais
que este último não seja recente, estes casos fomentam
uma gigantesca onda de comentários e opiniões de jor-
nalistas, juristas e da população em geral (principalmen-
te nas redes sociais).
Entretanto, percebemos que a maior parte da popula-
ção e da própria mídia não conhece o funcionamento
do Tribunal do Júri brasileiro, acreditando que o pro-
cesso ocorre da mesma forma que nos filmes norte-
-americanos.
A semelhança central entre os institutos brasileiro e americano consiste no julga-
mento por pessoas da própria sociedade. Isto é, não será um juiz concursado e for-
mado em Direito que irá julgar o acusado, e sim, membros da própria comunidade
em que ele vive.
Porém, enquanto nos Estados Unidos qualquer caso criminal pode ir a Júri, no Brasil
somente os crimes dolosos contra a vida é que são julgados pelo Júri popular (basica-
mente, homicídios). A lei prevê que esses crimes, quando cometidos com “dolo”, ou
seja, de forma intencional, deverão ser levados a Júri.
No júri norte-americano, o Conselho de Sentença é composto por doze jurados, en-
quanto no brasileiro o Conselho é composto por apenas sete.
Ao passo que nos EUA os doze jurados devem, via de regra, decidir de maneira unâ-
nime, no Brasil a decisão é tomada por maioria simples. Isto é, nos EUA, um acusado
por homicídio somente pode ser condenado se os doze jurados decidirem pela sua
condenação. Claro que aqui temos que fazer a ressalva de que os jurados se reúnem
para deliberação, discutindo as provas e argumentos apresentados, devendo che-
gar a um consenso.
No Brasil, não há reunião entre os jurados, sendo que a decisão se dá por intermé-
dio de uma votação. Assim, o juiz presidente formula algumas perguntas que abor-
dam as teses acusatórias e defensivas, e os jurados respondem a estas perguntas
votando “sim” ou “não”. Os votos são individuais e sigilosos.
Como a decisão é tomada por maioria, bastam quatro votos para se condenar um acusado.
Existem inúmeras outras diferenças entre os modelos apresentados. Contudo, acre-
dito que o número de jurados e a forma que a decisão é tomada, consubstancia a
principal distinção entre os sistemas e, ao mesmo tempo, identifica a vulnerabilida-
de do Tribunal do Júri no Brasil. Quando digo em vulnerabilidade, quero dizer o fato
de que, no Brasil, a chance de um acusado inocente ser condenado é consideravel-
mente maior.
E, neste sentido, devemos ainda ponderar os inúmeros fatores jurídicos e extrajurídicos
que infuenciam no julgamento e fazem com que a balança da justiça fque desequilibra-
da. Citarei apenas alguns:
(a) a crescente e exagerada exposição da mídia, na maior parte das vezes condenando
antecipadamente o acusado;
(b) até mesmo como consequência desta exposição, percebe-se uma pré-disposição da
comunidade a favor ou contra o acusado, fazendo com que os jurados já tenham, algu-
mas vezes, formado suas convicções a respeito do caso;
(c) o fato de que a grande maioria dos acusados não estão em posição de igualdade
com os jurados, sendo estes pessoas alheias à realidade socioeconômica enfrentada
por aqueles. Isto, mesmo a nível de inconsciência, possui um papel importante no jul-
gamento pelos jurados;
(d) por mais que a maioria dos advogados nomeados pelo Estado e até mesmo os de-
fensores públicos façam um trabalho hercúleo e heroico para defender aqueles que
não possuem condições econômicas de contratar um bom advogado, algumas vezes,
inclusive devido a própria estrutura, a defesa não é exercida com qualidade.
Em tempos de criminalidade elevada e em que a sociedade clama por respostas mais
enérgicas, cria-se uma necessidade de punir mais e de punir com maior rigor. O proble-
ma reside que esta sociedade que clama por uma maior punição, é a mesma que vai
compor o Conselho de Sentença no Júri.
Discutir sobre os modelos de Tribunal do Júri e sobre como fazer para que ele atue efe-
tivamente como uma garantia fundamental dos cidadãos é primordial para que tenha-
mos julgamentos justos.
A condenação deve ser baseada em elementos e provas robustas, sob pena de que
inocentes sejam condenados. E a condenação de inocentes, além de não proporcionar
qualquer sensação de segurança, viola direitos e garantias necessárias para se viver em
uma sociedade justa, livre e solidária.
*Rodrigo Faucz Pereira e Silva, advogado criminalist
e professor de Tribunal do Júri da UniBrasil /AbdConst
Foto: Divulgação