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Público e privado
Por Wanda Carmargo
O
projeto que prevê a possibilidade de parcerias entre a prefeitura e os cidadãos
interessados em determinada obra não prevista em orçamento municipal, com
coparticipação de custos, encarna o que os alemães chamam de espírito do tem-
po, “Zeitgeist”, o clima intelectual e cultural de determinada época. Estamos a caminho
do Estado Mínimo, e isso não depende de ideologias ou escolhas políticas, é uma conse-
quência natural das demandas cada vez maiores por serviços de saúde, educação, trans-
porte e segurança, providos pelo poder público, e da limitação dos recursos. Os governos
não poderão fnanciar integralmente todas as obras, e aquelas de alcance social mais res-
trito, ainda que necessárias, precisarão contar com aportes fnanceiros dos diretamente
envolvidos.
Um caso emblemático ocorreu há pouco mais de um ano, gerando intensa polêmica. Du-
rante a reforma da Avenida do Batel e da Rua Bispo Dom José, em Curitiba, optou-se
pela substituição do material de revestimento dos passeios por granito; tal decisão foi
aparentemente tomada por se tratar de região que concentra bons restaurantes, bares
e comércio, tem grande movimento de pessoas e visibilidade turística. Desse ponto de
vista o projeto procedia; mas parte da população protestou, legitimamente, vendo nisso
um privilégio injustifcado em face da escassez de recursos para obras em outros locais
da cidade.
É justo que nesse e em outros casos semelhantes, os principais interessados e benefci-
ários participem nas despesas, e certamente os proprietários de imóveis e comerciantes
locais o fariam se a isso fossem instados. A alternativa seria a padronização estética das
obras, seguindo o critério do menor custo, e isso poderia contrariar seu gosto ou neces-
sidade.
O provável argumento de que tal projeto teria viés neoliberal e privatista esgota-se em
sua própria origem, foi proposto por vereador de um partido que não poderia ser acusa-
do de tais pecados. Embora a cobrança aos proprietários de parte das despesas havidas
por execução de melhorias que valorizem seus imóveis já tenha previsão legal, através da
Contribuição de Melhoria, esta não prevê a escolha das obras a realizar, tampouco seu
cronograma.
De toda forma, a ideologização de qualquer proposta não tem sido benéfca para o país;
de boas intenções a Constituição de 1988 está cheia, mas a falta de regulamentação de
muitos dispositivos impede sua aplicação plena. A regulamentação do Vizinhança Partici-
pativa é que possibilitará seu real funcionamento e nela devem ser tomadas certas cau-
telas:
_O fato de particulares cofnanciarem obras públicas em espaços públicos não os torna
mais coproprietários desses espaços. Deve ser terminantemente proibido até pensar em
erguer cercas, cancelas ou qualquer tipo de restrição a acesso e uso.
_Não é racional que se pense na implantação de obras de características desconformes
com a condição fnanceira da comunidade envolvida.
_Como parte do custo de algumas obras poderá recair sobre a população, é imperati-
vo que sejam previstas em orçamento municipal as empreitadas necessárias, que seriam
executadas de qualquer modo, mesmo sem participação coletiva. 
Comunidades, grupos de pessoas que queiram maior celeridade ou padrões diferencia-
dos na realização de obras deverão, evidentemente, ajudar a pagá-las. Os tributos muni-
cipais, como também os de outras esferas, são muitos e pesados, mas à parte algummau
uso que nos cabe fscalizar e coibir sempre, insufcientes para todo o necessário.
Wanda Camargo - assessora
da presidência do Complexo de
Ensino Superior do Brasil
Divulgação