Revista Ações Legais - page 94-95

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Cyberstalking: da
curiosidade ao crime
N
o último dia 4 de setembro, foi divulgada a
notícia de que a atriz Thaís Melchior desati-
vou seus perfis nas redes sociais após receber
ameaças e xingamentos de fãs da novela que partici-
pará. Thaís não foi a primeira celebridade a se assus-
tar com o assédio vindo da internet. Em caso muito
mais emblemático, um fã da apresentadora Ana Hi-
ckmann, não satisfeito em monitorar e perseguir sua
vida nas redes sociais, invadiu seu quarto de hotel e
atirou contra ela, acertando sua assessora. O desfe-
cho da tragédia se deu com a morte do fã obsessivo
pelo cunhado da apresentadora.
Embora pessoas públicas sejam alvos mais frequen-
tes de mensagens de ódio e assédios pela internet,
podendo chegar a situações extremas como a de
Ana, infelizmente, casos como esses não são exclusi-
vidade dos famosos.
A evolução da tecnologia e o acesso à internet disseminado e na palma de nossas mãos
são fatores preponderantes para o crescimento exponencial do número de usuários das
redes sociais. Embora elas tenham surgido, com representatividade global, no início dos
anos 2000 com o Orkut, Myspace e Fotolog, seu alcance ainda era incipiente. OOrkut, por
exemplo, chegou a ter “apenas” 66 milhões de usuários, nada comparado à rede social
de Mark Zuckenberg. De acordo com o site statista.com, o Facebook supera tranquila-
mente a casa dos dois bilhões de membros, enquanto que o Whatsapp e o Instagram já
bateram a marca de um bilhão.
Mas junto com a popularidade das redes vieram também alguns problemas. É crescente,
por exemplo, a prática de ilícitos de diversas naturezas cometidos por meio delas e dos
aplicativos digitais. É, também, cada vez maior o número de pessoas que sofrem com o
chamado cyberstalking, termo em inglês utilizado para descrever conduta de quem ile-
galmente persegue ou assedia virtualmente alguém.
O comportamento perseguidor, de acordo com o Centro Nacional de Vítimas de Crime
dos Estados Unidos, é caracterizado por “uma linha de conduta dirigida a alguém especí-
fico que leva pessoas razoáveis a sentir medo”. Os números dessa prática, seja virtual ou
real, chamam a atenção: são 7.5 milhões de pessoas que sofrem algum tipo de persegui-
ção persistente nos Estados Unidos; 11% são perseguidas por 5 anos ou mais; e 1 em cada
5 vítimas são perseguidas por um estranho.
Esses dados, aliados ao aumento de usuários de redes sociais, só tendem a crescer. Cada
vez mais a população mundial expõe suas vidas na internet, permitindo que algumas pes-
soas se sintam “parte dela” e obtenham informações de diversas naturezas, tais como os
locais que frequenta, com quem se relaciona, seus hábitos etc.
Essas informações são importantes para nutrir o assédio persistente do stalker, que pode
ocorrer com o envio constante de mensagens, especialmente de ódio, por monitoramen-
to incessante das redes sociais, propagação de notícias difamatórias, tentativa de con-
tato com parentes, amigos ou pessoas do convívio do perseguido, podendo, inclusive,
extrapolar o ambiente virtual, se desenvolvendo para perseguições nos locais em que
sabidamente a vítima frequenta.
O cyberstalking é definido como crime pelo ordenamento jurídico de diversos países.
Na Alemanha, país referência em matéria penal, comete o delito quem “perseguir ilegal-
mente uma pessoa buscando sua proximidade” ou “tentando estabelecer contato” “por
meio de telecomunicação ou outros meios de comunicação ou através de terceiros” (se-
ção 238 do código penal alemão).
No Brasil, porém, ainda não há a figura deste crime específico. Tramita no Senado Federal
o Projeto de Lei nº 236/2012 para reforma do Código Penal, em que a “perseguição ob-
sessiva ou insidiosa”, realizada por quem, “de forma reiterada ou continuada, ameaça à
integridade física ou psicológica” da vítima, “restringindo-lhe a capacidade de locomoção
ou, de qualquer outra forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou priva-
cidade”, é punida com prisão de dois a seis anos. No entanto, o projeto em questão ainda
se encontra em fase de discussão.
A atual ausência de tipificação da perseguição virtual e do assédio persistente não sig-
nifica, contudo, que tais condutas possam ficar impunes. Nos casos menos graves, por
exemplo, elas podem ser caracterizadas como perturbação à tranquilidade, prevista no
art. 65 da lei de contravenções penais, cuja competência para julgamento é do Juizado
Especial Criminal.
Já nos mais graves, em que constatada efetivamente uma ameaça “por palavra, escrito
ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar” à vítima “mal injusto e grave”, o
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