Pandemia e o direito do consumidor
Com a chegada da pandemia de COVID-19 (coronavírus) a vida e a rotina de todos os brasileiros foram afetadas, com mudança drástica no trabalho, nos planejamentos de eventos, viagens, cursos, estudos e até nas compras, deixando muita dúvida e confusão de como agir, a quem procurar, já que as determinações do Poder Executivo (municipal e estadual) trazem restrições de circulação de pessoas, o fechamento de estabelecimentos, restrição de contato social com a recomendação de isolamento, tudo isso para que o contágio do vírus seja minimizado, evitando-se um mal maior, buscando o bem coletivo.
Porém, como fica o direito de quem já pagou um evento, de quem tinha ou tem casamento ou cerimônias marcadas, viagens, entre outros? O Código de Defesa do Consumidor prevê a modificação ou revisão de cláusulas contratuais ante a situações excepcionais, como de força maior, no qual o consumidor que é parte mais vulnerável, que se tornem excessiva onerosas (artigo 6º, V). Ante a impossibilidade de não cumprir com o contratado, como no caso da pandemia, tanto fornecedor, prestador de serviços e o consumidor devem repactuar o contratado, adiando quando possível, o evento, como casamentos, cursos, palestras, aulas, buscando a melhor situação para ambos.
A remarcação é uma boa saída, com recomendação de que seja por um período mais alongado, entre 90 e 365 dias, para que as partes possam novamente se reorganizar, sem que isto gere novos custos ao consumidor, afinal não pode ele ser penalizado por algo que não deu causa e que não tenha controle.
O consumidor não pode e não deve colocar a sua vida e saúde em risco somente para cumprir um contrato, como por exemplo viajar, especialmente em época como esta de uma grave pandemia, no qual não se sabe se pode se infectar ou infectar terceiros, assim como não sabe se indo a determinado local poderá retornar a sua cidade de origem ou ter tal restrição, justamente com fechamento de estradas e fronteiras, neste caso tendo inclusive arriscado seu direito de locomoção. Quando o valor já foi pago, tem direito ao reembolso integral, sem qualquer desconto, se assim decidir pela não remarcação, devendo negociar com o prestador de serviços/fornecedor.
Nos casos em que houver a reserva/contratação de serviços internacionais diretamente (sem a intermediação de agências ou prestador de serviços), como por exemplo de hotéis, como não há um alcance da nossa legislação, mais uma vez deve-se apelar para o bom senso e requisitar pela devolução do valor sem a cobrança de multa ou então a remarcação de data, sem custo de outras cobranças, porém, como houve a contratação direta, o consumidor assume o risco. Quando a contratação do hotel ou pacote de turismo for efetuada diretamente pela operadora de cartão de crédito (serviço que é oferecido por algumas operadoras), deve-se requerer o auxílio desta para que repactue com o hotel. Já no caso de ter sido contratado por meio de agência ou com uso de prestador de serviços no Brasil, este é quem deve reembolsar ou remarcar o hotel sem custos adicionais ao consumidor.
Com relação as passagens áreas, foi editada a Medida Provisória nº 925/2020, que prevê o prazo de 12 meses para que seja efetuado reembolso de desistência de compra de passagens aéreas, e quando o consumidor aceitar que o valor pago fique como crédito a ser usado futuramente, neste mesmo período de 12 meses, a companhia aérea não aplicará qualquer penalidade; este prazo é contado a partir da data do voo contratado. Estão ainda obrigadas as companhias aéreas a manter o a assistência material, quando houve atraso ou cancelamento de voo.
Outra preocupação ocorre em relação aos planos de saúde, se têm obrigação de efetuar a cobertura de exames relativos ao COVID-19, bem como se há obrigatoriedade pelas operadoras de saúde em realizar atendimento ou internação de pacientes que chegam com suspeita da doença. A Agência Nacional de Saúde (ANS) aprovou, em 12 de março de 2020, e valendo a partir de 13 de março, a inclusão de exame de detecção do COVID-19 na lista de procedimentos obrigatórios que deverão ser cobertos pelos planos e seguradoras de saúde, cuja obrigatoriedade se dá nos casos de pessoas suspeitas ou prováveis de terem contraído o novo vírus.
Quanto à cobertura de internação, sim ela continua obrigatória toda vez que o médico entender como necessária, quando o paciente em casa tiver chance de risco de morte, e a cobertura está diretamente vinculada com o cumprimento de carência prevista no contrato, e se o plano contemplar a área hospitalar (existem contratações somente para área ambulatorial, de exames e terapias, portanto, não incluem internações). Havendo dúvida, o melhor é entrar em contato com operadora do plano de saúde, que conseguirá nortear melhor sobre cada uma das contratações, e se há cobertura para internação ou não.
Nos casos em que o consumidor precise ser atendido em função de outras enfermidades, há aprovação do sistema de telemedicina ou medicina a distância (com utilização de recursos de tecnologia, e segundo a recomendação da ANS as operadoras de saúde devem oferecer aos seus associados ou assegurados tais possiblidades, já que em tempos de pandemia o isolamento deve ser a regra e sair de casa à exceção). Os prazos de atendimento devem seguir a tabela obtida na página da ANS: http://www.ans.gov.br/aans/noticias-ans/coronavirus-covid-19/coronavirus-todas-as-noticias/5448-ans-adota-medidas-para-que-operadoras-priorizem-combate-a-covid-19.
Já com relação aos eventos, shows, estes também devem ser reembolsados de forma integral e sem qualquer punição ao consumidor.Quanto às escolas, universidades, academias, escolas de idiomas, etc, este é o momento de renegociar, tendo em vista que o cumprimento do contrato pode se tornar demais oneroso para o consumidor, já que este está impedido de frequentar o local e obter as aulas como pactuado, exceto se a universidade ou escola colocar à disposição do estudante outra forma eficaz de adimplir o contratado. Não se está aqui dizendo que os pagamentos devem ser suspensos, de forma alguma, mas que os valores devem ser renegociados. O mesmo rito não é possível em relação as academias de ginástica, pois, o aluno não poderá ter contato direto com o professor, bem como o acesso aos aparelhos/equipamentos de ginástica, devendo o consumidor, requerer a suspensão do contrato, e renegociar o contrato, podendo inclusive requerer o aproveitamento dos valores pagos para quando puder efetivamente gozar das aulas ou do uso da academia.
E se o contratado não quiser ou se recusar a renegociar? Como o momento é de excepcionalidade, e se preza pela boa-fé contratual, o consumidor deve efetuar uma reclamação nos serviços de atendimento ao consumidor da empresa (SAC), e caso não obtenha resposta, deve buscar os órgãos de defesa do consumidor ou então entrar com uma ação judicial contra a empresa prestadora de serviços ou fornecedor, para que seja garantido seu direito.
Outra dúvida recorrente se dá com relação a troca de produtos, pois, com as lojas e estabelecimentos comerciais fechados (por obrigação legal), o que fazer? A recomendação é entrar em contato com o serviço de atendimento ao consumidor, para que seja feito o pedido de extensão do prazo legal, obtendo-se um número de protocolo, podendo ainda o consumidor enviar um e-mail ou mensagem quando assim lhe for disponibilizado o canal virtual em rede social (por exemplo, WhatsApp), formalizando o desejo da troca e o motivo pelo qual não pode efetuar. Isto também se aplica nos casos de cumprimento de obrigação, cita-se como exemplo, a manutenção/revisão de veículo, que está com garantia, deve contatar a rede autorizada e requerer a prorrogação desta garantia, remarcando o serviço para quando a situação voltar à normalidade, não podendo o consumidor ser punido com a perda da referia garantia do produto.
Além disto, tem-se visto muito um aumento abusivo do preço de produtos ligados à higiene, e combate ao coronavírus, como por exemplo, álcool gel, álcool, água sanitária, máscaras de proteção, luvas, etc. O consumidor tem visto e praticado uma corrida por estocar produtos e alimentos, com medo de que faltará tais coisas, fato que faz com o que a demanda aumente de forma significativa, e neste passo os estabelecimentos acabam se aproveitando de tal fato para aumentar o preço, entretanto, esta é uma prática abusiva, que deve ser fiscalizada pelos órgão de defesa do consumidor, cabendo punição.
A abusividade consiste no fato de que o aumento do preço decorre não de uma prática comum (permitida dentro de critérios aceitáveis), mas pelo fato de que este aumento do valor do produto ou serviço decorra da falta de produto no mercado e, desta forma majorem o preço, o que é vedado pelo Código de Defesa do Consumidor, de acordo com o artigo 39, X do CDC, devendo o consumidor ficar atento.
Nos casos em que o aumento de produto for excessivo, acima de 20% do valor que vinha sendo praticado, o ato pode ser configurado como crime contra a economia popular (Lei 1521/51, artigo 4º, “b”) cuja pena prevista é de 6 meses a 2 anos de detenção e multa, assim quando o consumidor se deparar com tal fato deve comunicar aos órgãos de defesa do consumidor ou autoridade policial para que sejam tomadas as medidas jurídicas cabíveis.
A informação é sempre o melhor meio de defesa para que o consumidor não seja enganado ou onerado em contratos já firmados.