As relações de consumo durante a pandemia de COVID-19

Há quase um mês a OMS declarou que vivemos em situação de pandemia em nível mundial. No Brasil, já faz mais de 2 meses que o Ministério da Saúde declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN). Ao menos no Estado de São Paulo, a população está iniciando a terceira semana da quarentena, com a restrição de atividades para serviços considerados não essenciais – em especial a proibição de atendimento presencial nos estabelecimentos comerciais e na prestação de serviços, afetando o funcionamento de casas noturnas, shopping centers, galerias e estabelecimentos congêneres, academias, centros de ginástica, escolas, dentre outros.

São inegáveis os impactos nas relações de consumo e muitos empresários ainda têm dúvidas sobre como proceder junto aos seus clientes sem violar a legislação consumerista vigente. Algumas destas preocupações serão abordadas a seguir.

No caso dos negócios que ainda estão em funcionamento, sejam estes essenciais ou não, de forma presencial, remota, através de entrega em domicílio, etc., é muito importante observar os ajustes dos preços praticados sobre os bens e serviços ofertados. Apesar de ser razoável o repasse de eventuais custos na cadeia de fornecimento que tenham sido majorados em razão da pandemia, é recomendável evitar o aumento abusivo dos preços sem justa causa. Se verificada essa prática, a empresa estará sujeita à ação da fiscalização pelos órgãos de defesa do consumidor, o que poderá culminar em instauração de processo administrativo e aplicação de multa.

Muitos empresários têm se deparado com requerimentos de seus clientes visando a redução, ainda que temporária, dos preços contratados, não somente em razão das dificuldades que a população, de um modo geral, tem enfrentado em razão da pandemia, mas também diante da impossibilidade de se obter, de forma plena e conforme as expectativas inicialmente criadas, o fornecimento do produto ou do serviço, seja em decorrência da inviabilidade de a prestação ser realizada presencialmente, dentre outras circunstâncias. Neste caso é possível que as partes concordem com o reajuste dos valores, desde que se leve em consideração a ocorrência de efetiva redução de custos por parte do fornecedor e, ainda, a realização ocasional de investimentos em caráter emergencial com a finalidade de se garantir um nível razoável de qualidade para continuidade do fornecimento do bem ou do serviço. Outra possível solução que pode ser acordada entre fornecedores e consumidores é a repactuação dos prazos de cumprimento das obrigações que não poderão ser plenamente satisfeitas durante a quarentena.

Quanto ao cancelamento de produtos ou serviços, há dois cenários possíveis: aquele realizado por iniciativa do fornecedor e, por outro lado, aquele realizado pelo próprio consumidor. O primeiro caso enseja a restituição dos valores pagos ao consumidor relativos às entregas não cumpridas. No segundo caso, o empresário deve avaliar pontualmente a possibilidade de cobrança ou retenção de valores a título de multa contratual – sendo imprescindível a razoabilidade e a devida justificação de tal ato, sob pena de qualificar esta hipótese como prática ou cláusula abusiva sob a perspectiva do Código de Defesa do Consumidor.

É importante lembrar que a responsabilidade dos fornecedores de bens e serviços é objetiva. Por esta razão, mesmo com a possibilidade de se aplicar os institutos jurídicos de caso fortuito e força maior como excludentes de responsabilidade, as empresas não podem deixar de, sempre que possível, adotar ações mitigadoras em caso de impossibilidade de entrega do produto ou do serviço.

Por fim, destaca-se que, na última sexta-feira, o Senado Federal aprovou, por unanimidade, o Projeto de Lei nº.  1.179/2020, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório (RJET) nas relações jurídicas de direito privado durante o período de pandemia da COVID-19 (coronavírus), que nos próximos dias seguirá para análise da Câmera dos Deputados. Caso aprovado, a aplicação do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº. 8.078/1990) estará suspensa até o dia 30 de outubro de 202º, na hipótese de aquisição de produto ou serviço por entrega domiciliar. A suspensão do direito ao arrependimento dentro do prazo de 7 dias contado a partir de assinatura do contrato ou do ato de recebimento do produto ou serviço para as contratações realizadas fora estabelecimento comercial é razoável, diante do aumento de contratações celebradas a distância e protege o empresário que exerce a prestação de serviços de delivery.

Em qualquer situação, não haverá uma resposta fácil. Às empresas, quanto mais bom senso e oferecimento de soluções amigáveis, mais benefícios encontrarão no médio e longo prazos, tanto em relação à sua imagem perante o mercado consumidor como para evitar custos futuros com a judicialização das controvérsias enfrentadas durante a pandemia, assim como com eventuais multas impostas pelos órgãos de defesa do consumidor.

Como recomendações finais, os empresários devem se manter atualizados acerca das determinações das autoridades públicas e dos órgãos reguladores específicos de seu segmento. Mais do que nunca, devem buscar aconselhamento jurídico especializado e de qualidade, pois este será um grande aliado para a análise dos riscos aos quais as empresas estão sujeitas e de seus potenciais mitigadores.

Por Mônica Villani, advogada especializada em Direito Empresarial e das startups, compliance e proteção de dados