Os instrumentos jurídicos para negociação dos contratos civis na pandemia causada pela Covid-19

Com o advento das medidas de contenção da Covid-19 e seus reflexos na esfera da economia, aumentam as incertezas das organizações quanto à possibilidade das mesmas no cumprimento (parcial ou total) dos contratos já celebrados. Tais incertezas suscitam dúvidas quanto aos mecanismos jurídicos disponíveis para mitigar riscos e penalidades a que estariam sujeitas as organizações empresariais caso efetivamente os impactos da pandemia nas suas operações sejam de grande magnitude.

Nesse sentido, o sistema jurídico brasileiro disponibiliza uma série de medidas/alternativas que podem ser adotadas, merecendo atenção redobrada as disposições contratuais existentes e as características de cada caso em concreto.

Com efeito, o Código Civil Brasileiro exclui a responsabilidade do devedor pelo inadimplemento das obrigações em razão de eventos imprevisíveis e inevitáveis à época da celebração do contrato, que gere um impedimento real e comprovado do seu cumprimento, seja ele temporário ou definitivo. É o que o Código Civil chama de Força Maior (art 393).

No caso da pandemia, deve ser avaliado se as partes não regularam em contrato as hipóteses de força maior, assim como a data de sua celebração para atestar o nível de previsibilidade das partes sobre o evento, tendo em vista que o advento da pandemia vem sendo anunciado pelos meios de comunicação há alguns meses.

A depender desses fatores a parte inadimplente pode se valer do instituto para conseguir a isenção de responsabilidade ou, ao menos, a redução equitativa da penalidade e de eventual condenação em perdas e danos.

O Código Civil também possibilita a resolução dos contratos de execução continuada ou diferida quando se caracterize a situação de Onerosidade Excessiva (art 478), isto é, quando uma das partes comprovar que sua obrigação se tornou extremamente onerosa em virtude de eventos extraordinários e imprevisíveis que desequilibraram a equação econômico-financeira originalmente estabelecida, com a caracterização de vantagem manifesta à outra parte.

Os eventos extraordinários devem ser graves a ponto de impor uma dificuldade intransponível que esvazie o conteúdo econômico do contrato e sua natureza bilateral, em razão de um proveito desproporcional a uma das partes e de um prejuízo desmedido à outra. Destaca-se que o instituto não se aplica aos contratos instantâneos ou de execução imediata.

O resultado da aplicação do instituto é a resolução do contrato, mas a doutrina e jurisprudência têm admitido a revisão do pactuado com base na teoria da imprevisão contida no art. 317 do Código Civil, segundo o qual "quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação".

A função social dos contratos e a boa-fé devem ser vistas como mecanismos de incentivo às partes para a manutenção das relações, tanto quanto possível. É o que dispõe o enunciado nº 176 do Conselho da Justiça Federal.

Analisando-se por analogia a jurisprudência dos tribunais brasileiros em casos de catástrofes naturais, ressalta-se a necessidade da devida comprovação da relação direta do evento imprevisível com os efeitos que deram causa ao desequilíbrio/inadimplemento contratual, o que pode ser feito mediante a demonstração da redução do faturamento no período em relação ao exercício anterior; cancelamento de pedidos, perdas extraordinárias, fechamento de estabelecimentos determinados pelo poder público, notificações, dentre outras provas. Temos visto que a simples alegação, desacompanhada de provas, não é suficiente para amparar os pedidos judiciais de revisão.

Como visto, as organizações devem identificar o mecanismo legal apropriado de acordo com a análise casuística de diversos fatores, como o nível de imprevisibilidade do evento; o tempo em que se identificou o fator de desequilíbrio das obrigações; a prova da impossibilidade parcial ou total do seu cumprimento; o nível de regulação do contrato quanto às excludentes de responsabilidade, assim como os efeitos do inadimplemento parcial ou total das obrigações.

Assim, a identificação da melhor abordagem e da estratégia legal de cada caso concreto pode ajudar os empresários a endereçar de forma estratégica as negociações dos contratos de acordo com o risco e dos efeitos de um eventual inadimplemento.

Por Fernando Loeser e Juliana Marteli, advogados

Juliana Marteli - Foto: Divulgação
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