O coronavírus e o Direito Penal Brasileiro

(In)Felizmente só se tem falado sobre coronavírus e, como se viu, o caos tomou conta do país nos últimos dias, com a instituição dos famosos “isolamento” e “quarentena”, culminando com comércio paralisado, milhares de pessoas trabalhando na modalidade “home office”, dentre outras medidas tomadas pelo governo.

A bem da verdade, em fevereiro deste ano foi editada a Lei n. 13.979, que trata sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do surto de coronavírus. Contudo, somente em 11 de março, diante da evolução da epidemia, foi publicada a Portaria n. 356, que trata sobre a regulamentação e operacionalização do disposto na referida Lei n. 13.979.

A orientação dos governantes é de que a população fique em casa, pelo menos nos próximos dias, a fim de evitar o contágio e disseminação do vírus, para que não aconteça aqui o que tem ocorrido em países da Europa que, infelizmente, não conseguiram conter a propagação em massa da doença.

Diante desse cenário, questiona-se: quem descumprir tais medidas comete algum crime previsto no Código Penal Brasileiro?

Inicialmente, vale destacar que os Ministros da Saúde e da Justiça e Segurança Pública editaram no último dia 17 de março, a Portaria Interministerial n. 5, disciplinando medidas compulsórias para enfrentamento da pandemia do coronavírus, bem como sobre a responsabilidade pelo seu descumprimento.

A própria Portaria prevê a responsabilidade civil, administrativa e penal dos agentes que infringirem o disposto no artigo 3º, da Lei n. 13.979. No que tange à seara penal, o descumpridor poderá ser enquadrado nos delitos de infração de medida sanitária preventiva e desobediência, previstos, respectivamente, nos artigos 268 e 330, do Código Penal, que preveem, respectivamente, multa ou detenção para quem infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa, e detenção para quem desobedecer a ordem legal de funcionário público .

Aqui, vale mencionar que o delito de infração de medida sanitária preventiva é crime formal, isto é, não exige a produção do resultado; de perigo abstrato, que não exige a lesão de um bem jurídico ou a colocação deste bem em risco real e concreto; e de perigo comum, devendo atingir um número indeterminado de pessoas que sejam expostas a perigo de dano.

Mas não é só. Muito embora não conste na portaria em comento, dependendo da situação, pode-se ainda cogitar na tipificação dos delitos de perigo de contágio de moléstia grave e perigo para a vida ou saúde de outrem, previstos nos artigos 131 (Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa) e 132 (Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave), e ainda no crime de causar epidemia, disposto no artigo 267 (Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos: Pena - reclusão, de dez a quinze anos), todos do Código Penal.

Destaca-se que o delito de causar epidemia é crime: material, na medida em que só se consuma com a produção do resultado naturalístico; de perigo concreto, que se consuma com a mera ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado; e de perigo comum, assim como o delito de infração de medida sanitária preventiva.

O que não se pode esquecer é que, apesar de ser esperado que uma pessoa não tenha intenção de, dolosamente, transmitir uma doença para outra, o dolo no Direito Penal também está alicerçado àquele que assume o risco.

Até o presente momento, não há notícias do cometimento de nenhum crime dessas naturezas por descumprimento de medidas ao combate do coronavírus. Não se sabe se é por se tratar de fatos ainda muito recentes, ou se porque realmente as pessoas se conscientizaram.

Por Maria Carolina de Moraes Ferreira, especialista em Direito Penal pela Universidade de Coimbra/IBCCRIM, especialista em Direito Penal Econômico pela PUC-SP e associada ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM)