COVID-19: O direito do trabalho e a realidade
O Brasil enfrenta uma crise sem precedentes e vivencia um momento desafiador, notadamente quanto às relações de trabalho diante da pandemia pelo novo Coronavírus.
O direito do trabalho certamente dará a resposta que a sociedade almeja, até mesmo porque o direito não pode ignorar a realidade, caso contrário a realidade irá ignorar o direito.
A Medida Provisória 927/2020, que passou a viger a partir de 22.03.2020 e que já padece, como se estivesse acometida pelo mal que pretende combater, trouxe insegurança jurídica aos jurisdicionados, fracassando no propósito inicial de apresentar medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública deflagrado, considerada e reconhecida no Decreto 06/2020.
Eram aguardadas medidas trabalhistas que realmente socorressem empregadores e empregados, dando condições para que pudessem passar pelo isolamento e quarentena e retornar às atividades após o fim da calamidade pública.
O artigo 1º em seu parágrafo 2º da MP 927/20, dispõe que “durante o estado de calamidade pública a que se refere o artigo 1º, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição Federal”.
A Medida Provisória traz a falsa impressão de que empregador e empregado, durante o estado de calamidade pública, poderiam negociar a redução de salários e de jornada sem a participação do sindicato representativo da categoria.
Os acordos escritos, autorizados durante o decreto de calamidade pública, segundo o que consta do texto legal, deverão respeitar os limites estabelecidos na Constituição Federal e dentre eles o artigo 7º, representa o patamar civilizatório mínimo, garantindo direitos aos trabalhadores urbanos e rurais, dentre eles, a irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo (inciso VI).
Assim, a MP privilegia os acordos individuais entre empregador e empregado mantendo a regra que vige no sentido de que a flexibilização das negociações em âmbito individual não poderá dispor contra os limites constitucionais.
Disposição em sentido contrário seria demasiadamente perigosa.
Diante do “motivo de força maior”, ou admitida a ocorrência do “factum principis”, que tem como fundamento o fato de que a Administração não pode causar danos ou prejuízos aos administrados, ainda que em benefício da coletividade, sendo que, inevitáveis esses prejuízos, surge a obrigação de indenizar do Estado.
A Consolidação das Leis do Trabalho, em outros termos, dispõe sobre o denominado “fato do príncipe” (art. 486, caput), quando a indenização fica a cargo do governo responsável pelo ato, lei ou resolução que impossibilitou a continuação da relação empregatícia:
“No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuidade da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização que ficará a cargo do governo responsável” (art. 486 da CLT).
A discussão estabelecida em torno da Medida Provisória 927/90 e mesmo em relação das demais que certamente virão, é no sentido de que, teriam os acordos individuais entre empregados e empregadores sido recepcionados pelo motivo de força maior a legitimar a utilização destes instrumentos para redução de salários e de jornadas de trabalho?
Assim, quando o empregador não tiver dado causa, direta ou indiretamente, para o ato de autoridade que determina a paralisação temporária ou definitiva do trabalho fica configurado o factum principis, ficando ao cargo daquela a responsabilidade pela indenização dos empregados.
Por Elizabeth Greco, especialista em relações de trabalho