Covid-19 realça importância de um planejamento sucessório
Sabe-se com precisão o ponto de partida da Covid-19. Até o momento, contudo, seu término parece não ter data. Ficar em quarentena até a descoberta da vacina? Continuar a abertura gradual do comércio? Perguntas sem respostas. Não se sabe, tampouco, as medidas a serem adotadas a longo prazo. Afinal, quanto tempo durará o longo prazo?
O pânico inicial gerado pela pandemia da Covid-19 vai se tornando, aos poucos, combustível para a reestruturação social e econômico-financeira. A quarentena que duraria um mês se estende e faz com que a sociedade a ela se amolde. Utilizando-se de sua arte de (quase) sempre se adaptar à dificuldade, o indivíduo espanta sua zona de conforto e obriga-se a encontrar meios de educar, trabalhar e até mesmo consumir nesse período. As tecnologias destacam-se como fortes aliadas desse tempo em que tudo é volátil. A criatividade ganha espaço. Plataformas digitais são construídas para suprir o que antes apenas estava projetado presencialmente.
Em meio a um cenário no qual a incerteza impera, o mínimo de previsibilidade é, mais do que bem vindo, essencial.
Com números exponenciais de vitimados que abrangem majoritariamente a população idosa, os cartórios do Paraná registraram um crescimento de 70% na procura por testamentos, segundo dados apresentados pela Gazeta do Povo[1]. De mesmo modo, profissionais são procurados para a elaboração de demais atos típicos de um planejamento sucessório. A preocupação com o aumento da tributação é apontada como um fator decisivo nessa mudança[2].
Apesar da inabitualidade de planejamento ─ em todos os seus aspectos ─ na vida dos brasileiros, e o fato de o assunto ser corriqueiramente evitado no seio familiar, o planejamento sucessório passa de mera ferramenta voltada a reduzir o pagamento de tributos, a uma escolha inteligente nesse momento.
Por meio dele, é possível driblar as amarras da sucessão hereditária e a complexidade das normas sucessórias. Isso porque atua em várias frentes; reduz a carga tributária e antecipa atos em vida. Sem que haja previsão de mudanças na legislação sucessória, ainda que tramite projeto de lei com fins de dar maior autonomia ao proprietário do patrimônio[3], é a maneira atual pela qual se evitam conflitos sucessórios e se protegem os bens familiares, respeitada a vontade de quem detém sua titularidade.
O planejamento sucessório é avaliado de acordo com a estrutura familiar e patrimonial, podendo contar com uma conjugação de alternativas jurídicas, como a elaboração de holdings, a doação em vida, a implementação de usufruto, a criação de acordo de acionistas e sócios.
O testamento é ferramenta essencial a um bom planejamento, e suas limitações legais devem ser conjugadas com essas outras alternativas legais, a fim de formatar a arquitetura sucessória almejada.
Visando a evitar os problemas que envolvem a invalidação de um testamento, mais recentemente conhecidos em razão da repercussão midiática de figuras públicas, o testador deve se atentar à legítima, correspondente a 50% do patrimônio. Assim, quem possui um ou mais herdeiros necessários (cônjuge, descendentes e ascendentes) pode dispor da outra metade, beneficiando, por exemplo, um terceiro, ou apenas um dos filhos.
A observância da discussão envolvendo o enquadramento do companheiro ─ termo utilizado para parceiros em união estável ─ como herdeiro necessário também é essencial na formulação do planejamento. Isso porque recentemente o STF estendeu ao companheiro as regras sucessórias aplicáveis ao cônjuge. Ainda que na decisão não houvesse discussão direta sobre o alcance do julgado, tendo, de fato, ficado aberto o enquadramento ou não do companheiro como herdeiro necessário, a tendência do Direito de Família e Sucessório atual é a de equiparação dos efeitos do casamento à união estável.
Ademais, é fundamental que seja feito um levantamento dos bens do sucessor, pois não existe fórmula pronta para a implementação das medidas. O trabalho de profissionais especializados consubstancia-se na construção da melhor estratégia, qual seja, a que irá sustentar a vontade do proprietário dos bens.
O planejamento sucessório envolve, necessariamente, um planejamento tributário. A opção pelas holdings, por exemplo, além de estratégia de concentração empresarial,é interessante porque há imunidade tributária do ITBI, em boa parte dos casos[4], quando se incorpora patrimônio à pessoa jurídica em realização de capital. Significa dizer que, se pensado estrategicamente, é possível evitar esse imposto no ato de transferência de imóveis para a holding.
Não sem razão, fundadores de empresas familiares estão se atentando para a necessidade de compatibilização da família, da gestão e do patrimônio. A preocupação é pertinente. Afinal, dados do IBGE e do SEBRAE demonstram que a absoluta maioria (90%) dos empreendimentos nacionais correspondem a empresas familiares, mas 30% sucedem à segunda geração e apenas 5% atingem a terceira[5][6]. A Pesquisa Global da PwC demonstra que 72,4% das empresas familiares não apresentam plano de sucessão[7].
Os mecanismos de proteção patrimonial, especialmente em relação às empresas, são variados. Regras sobre governança, formulação de pactos antenupciais e a contratação de previdência privada são geralmente implementadas. A antecipação da legítima, com a gravação da participação societária com cláusulas de impenhorabilidade, incomunicabilidade, inalienabilidade e usufruto também é medida que pode ser levada a cabo dentro do ambiente empresarial.
É, portanto, recomendada a concentração de esforços para um adequado planejamento sucessório, que equilibre as imposições legais com a autonomia privada do titular dos bens. É, enfim, maneira de assegurar um mínimo de previsibilidade.
Por Marina Amari, advogada, mestranda em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, integrante do escritório Assis Gonçalves, Kloss Neto, Advogados Associados - OAB-PR 97.122
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Notas
[1] FONTES, Juliana. Cartório do PR registram aumento de 70% em testamentos por causa do coronavírus. Gazeta do Povo. 23/03/2020. Acesso em 03 de abril de 2020. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/parana/cartorios-aumento-testamentos-coronavirus/.[1] FONTES, Juliana. Cartório do PR registram aumento de 70% em testamentos por causa do coronavírus. Gazeta do Povo. 23/03/2020. Acesso em 03 de abril de 2020. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/parana/cartorios-aumento-testamentos-coronavirus/.
[2] GREGORIO, Rafael. Covid-19 faz crescer consultas sobre sucessão entre gestores e advogados. Valor Investe. Acesso em 14 de maio de 2020. Disponível em: https://valorinveste.globo.com/objetivo/organize-as-contas/noticia/2020/04/20/covid-19-faz-crescer-consultas-sobre-sucessao-entre-gestores-e-advogados.ghtml.
[3] De autoria da Senadora Soraya Thronicke, o Projeto de Lei nº 3799/2019 visa à modernização do direito sucessório inscrito no Código Civil, prevendo alterações no tocante aos herdeiros necessários, a ampliação das hipóteses de deserdação, a diminuição das burocracias etc.
[4] O art. 156, §2º, I, da Constituição Federal prevê que não incidirá o ITBI na transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção da pessoa jurídica, salvo se "a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil".
[5] ABREU, Vitor. Os desafios da empresa familiar: gestão e sucessão. Sebrae. Acesso em 13 de maio de 2020. Disponível em:https://m.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/pe/artigos/os-desafios-da-empresa-familiar-gestao-e-sucessao,fae9eabb60719510VgnVCM1000004c00210aRCRD.
[6]Folha de Londrina. Acesso em 13 de maio de 2020. Disponível em: http://www.sebrae-sc.com.br/newart/default.asp?materia=10410.
[7] SAMPAIO, Luciano. Empresas familiares e planos de sucessão. PwC. Acesso em 13 de maio de 2020. Disponível em: https://www.pwc.com.br/pt/sala-de-imprensa/artigos/empresas-familiares-e-plano-de-sucessao.html.