Covid-19 e os mais vulneráveis: estamos todos no mesmo barco?
Nestes tempos de pandemia, tem-se revelado que, em certo aspecto, todas as pessoas encontram-se no mesmo barco (locus), de modo que cada qual – mesmo os mais distantes – é impactado pelas ações dos demais, e todos estão suscetíveis a riscos de saúde. A conduta do indivíduo que não respeita as normas sanitárias pode interferir negativamente no seu semelhante, por mais alheio que este esteja daquele. Tudo e todos estão conectados. Cada realidade é parte de um todo indivisível e revela-se apta a deflagrar as mais contundentes sequências causais, como alerta Fritjof Capra no livro “A teia da vida”.
Apesar disso, o vírus não afeta a todos os tripulantes da embarcação de idêntico modo. Há pessoas inseridas em grupos de risco da doença, expostas a determinados fatores especiais que as tornam mais propensas ao contágio ou a complicações de saúde. Autoridades médicas têm advertido que idosos e portadores de doenças crônicas formam o grupo de risco da covid-19 e apresentam maiores chances de agravamento de saúde em caso de contágio.
Há, porém, que se enxergar além das comorbidades clínicas, visto que circunstâncias sociais negativas também ampliam a probabilidade de complicações diante da covid-19. É preciso, pois, reconhecê-las. Aqueles que se encontram marginalizados, isto é, à margem dos benefícios produzidos pela sociedade, correm riscos redobrados de morte. A ausência de saneamento básico, de moradia apropriada, de alimentação adequada e de itens elementares de higiene – como água, sabonete, energia elétrica etc. – deixa absolutamente desamparada expressiva parcela da população empobrecida em face do novo coronavírus e bloqueia-lhe o acesso a condições mínimas do necessário isolamento social. Isso sem contar os trabalhadores que, por falta de opção, aglomeram-se no transporte público. A escandalosa desigualdade social brasileira contribui decisivamente para o incremento no número de mortes. Bairros periféricos e de menor índice de desenvolvimento humano são os que proporcionalmente ostentam os maiores índices de letalidade. Na cidade de São Paulo, por exemplo, a mortalidade da covid-19 em tais regiões é até dez vezes maior que nas demais.
Igualmente, a cor da pele é fator de risco para a doença e seu desenlace fatal, em função do racismo estrutural. Na cidade de São Paulo, a título de ilustração, dados indicam que pretos têm 62% mais chances de morrer por covid-19 do que brancos, enquanto os pardos têm risco 23% superior, de acordo com análise feita pelo Observatório Covid-19 e pelo município de São Paulo.
Assim, mesmo estando todas as pessoas expostas ao ainda desconhecido e perigoso vírus, algumas sofrem mais os seus efeitos negativos, de modo que não é possível pensar no enfrentamento à doença sem se levar em consideração os fatores sociais e raciais de determinados grupos sociais, sob pena de aderir-se a um “darwinismo social” perversamente camuflado, a eliminar os mais vulneráveis.
Por isso, o Ministério Público do Paraná tem requisitado ao poder público a implementação dos direitos humanos sociais – assistência social, alimentação, moradia, educação em saúde etc. –, sobretudo nos locais de maior vulnerabilidade social, como comunidades tradicionais, aldeias indígenas, regiões com concentração de migrantes e pessoas em situação de rua, bairros periféricos, ocupações informais e bairros rurais, entre outros. Em dias de aguda crise social, é importante recordar as palavras do genial Charles Chaplin, para quem “neste mundo, há espaço para todos, e a terra, que é boa e rica, pode prover todas as nossas necessidades”.
Por Ana Carolina Pinto Franceschi, promotora de Justiça e coordenadora do Núcleo de Promoção dos Direitos da População em Situação de Rua (Núcleo POP Rua) do Caop de Proteção aos Direitos Humanos
Por Olympio de Sá Sotto Maior Neto procurador de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça (Caop) de Proteção aos Direitos Humanos
Por Rafael Osvaldo Machado Moura, promotor de Justiça do Caop de Proteção aos Direitos Humanos