A mediação no mundo pós COVID-19
Embora a pandemia da COVID-19 esteja em andamento e ainda não tenhamos como estimar com exatidão quando será o seu fim, não é exagero dizermos que a história da humanidade já pode ser classificada como “pré” e “pós” coronavírus, dado o ineditismo, a complexidade e a amplitude do cenário atual.
Os efeitos econômicos da pandemia, já sentidos com maior ou menor intensidade nos diversos setores da comunidade empresarial, perdurarão os próximos meses e anos, com impacto relevante no cumprimento das relações contratuais.
Nesse cenário, em que invocar a teoria da imprevisão para justificar o descumprimento de obrigações contratuais é quase senso comum, correremos o sério risco de termos uma nova enxurrada de ações judiciais movidas por pessoas e empresas que tiveram os seus direitos lesados e/ou que não conseguiram honrar as suas obrigações contratuais em razão dos efeitos causados pela pandemia. Sim, quem é autor numa ação poderá ser réu noutra, tendo ambas o mesmo pano de fundo: a pandemia.
Cabe lembrarmos que tramitam no Brasil aproximadamente 78 milhões de ações judiciais, as quais raramente terminam sem que tenham transcorridos anos de discussão e desgaste, salvo quando as partes conseguem chegar a um acordo durante o trâmite da demanda, opção que pode significar a preservação de um relacionamento ou o seu recomeço, além da economia de tempo e recursos.
Foi necessário um evento totalmente inédito como a pandemia do COVID-19, que tem originado diversas situações complexas em que é difícil dizer quem está com a razão, mas é fácil perceber as perdas que todos estão sofrendo, para finalmente despertar na sociedade brasileira o genuíno interesse em evitar-se o litígio mediante a construção do consenso.
Num País em que é significativa a falta de confiança da população na qualidade das decisões emanadas do Poder Judiciário, encontrar outras formas de resolução de disputas deveria ser uma escolha óbvia, mas tal decisão implica, a depender da alternativa escolhida, em renunciar que o poder de decidir seja delegado a terceiros, assumindo as partes o protagonismo na resolução da disputa.
No entanto, muitas controvérsias podem ser realmente complexas de serem resolvidas, sendo necessária a intervenção de uma terceira pessoa, não para decidir algo, mas sim para facilitar o diálogo entre as partes envolvidas na disputa e ajudar na construção do acordo. Essa pessoa é o mediador.
Uma das grandes vantagens da mediação é que as partes podem escolher qualquer pessoa de sua confiança para atuar como mediador da disputa. A lei de mediação estabelece em seu artigo 2º que o mediador deverá agir com imparcialidade, mas não necessariamente ele deve ser um especialista nas matérias objeto da disputa (embora seja recomendável em alguns casos), por uma simples razão: não caberá ao mediador decidir nada!
Outra grande vantagem da mediação é justamente o maior controle das partes quanto ao andamento do procedimento e o seu resultado. A partir do momento em que surgem, através do diálogo, oportunidades de interesse comum, mais perto estarão as partes de chegar a um acordo. Caberá as partes definir qual será a velocidade imposta na dinâmica de negociações, a partir da percepção de que as conversas estão sendo produtivas ou não.
Não podemos esquecer que a mediação é confidencial, ou seja, é possível, por exemplo, que uma empresa que está descumprindo de forma generalizada os contratos firmados com os seus clientes negocie, de forma individualizada e sigilosa com cada um deles, com o apoio de um ou mais mediadores, soluções distintas para as disputas decorrentes do citado descumprimento, as quais poderão ser construídas de acordo com o grau de importância de cada cliente para a empresa e os seus interesses e pleitos individuais.
A pandemia do coronavírus está causando disruptura em diversos aspectos da vida em sociedade, incluindo a forma que trabalhamos, que suprimos as nossas necessidades básicas e que socializamos. Nesta sociedade em transformação, em que estamos ressignificando o verdadeiro sentido de vivermos em coletividade, assumirmos o protagonismo na resolução dos conflitos, priorizando os meios consensuais e o diálogo ao invés do litígio, é uma mudança cultural necessária para continuarmos trilhando o caminho da evolução, e não da extinção.
Por Gustavo Pires, advogado