Limites da proteção contra despejo

O Projeto de Lei nº11790/2020, aprovado pelo Senado e em tramitação na Câmara dos Deputados, dispõe sobre medidas transitórias em relações particulares de direito privado, aplicáveis durante a pandemia do COVID-19. Dentre suas provisões, tal projeto visa regulamentar em caráter temporário e excepcional as relações locatícias - tanto comerciais como residenciais.

 O projeto inicial, seguindo tendências internacionais, pretendia regulamentar a aplicação de redução generalizada de aluguéis residenciais durante a pandemia. Porém, notando que a padronização de tais relações de forma genérica poderia ocasionar prejuízos e desigualdades, tais disposições foram excluídas do texto final encaminhado para Câmara. Aqui nota-se que muitas vezes o locador tem como única fonte de substância as rendas advindas do aluguel, e, nos casos de pequenos locadores, acabam sendo até mais prejudicados com a crise do que o próprio locatário.

 Hoje, o texto em avaliação visa uma proteção mais específica; a proteção contra o despejo. Assim, pelo texto, serão adiadas até outubro de 2020 a concessão de liminares de despejo em ações que tiveram fatos ensejadores após 20.03.2020 - data em que foi instituído o estado de calamidade pública. Importante destacar que o novo texto do projeto não determinou a isenção do aluguel ou exclusão de multa e juros durante esse período; mas apenas postergou o direito de retomada do imóvel para evitar o trânsito de pessoas e a aplicação da penalidade do despejo durante a pandemia. Evitando também que tal medida seja utilizada como forma coercitiva de pagamento durante esse período.

 Mas nem todos podem se valer deste projeto. Excluíram-se da restrição a concessão de liminar despejo, com base nos incisos III, IV, VI do artigo 59 da Lei 8245/91, os pedidos motivados por: (a) término do prazo da locação para temporada; (b) falecimento do locatário sem deixar sucessor legítimo na locação, permanecendo no imóvel pessoas não autorizadas por lei;  (c) necessidade de se produzir reparações urgentes no imóvel, determinadas pelo poder público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário, ou, podendo, ele se recuse a consenti-las.

 O Projeto também suspende, até 30 de outubro de 2020, os prazos de aquisição de propriedade mobiliária ou imobiliária por meio de usucapião. Ficando os prazos prescricionais impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da vigência da lei.

 Importante notar também que, no que tange à revisão dos contratos amparados pelo Código Civil, o texto propõe que o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetário não poderão ser considerados fatos imprevisíveis que justifiquem pedidos de revisão contratual ou quebra do contrato, exceto no que tange às revisões contratuais abrangidas pelo Código de Defesa do Consumidor e pela  Lei do Inquilinato.

  O Projeto permite ainda que, até 30 de outubro de 2020, a assembleia condominial possa ser realizada de forma virtual; concedendo ao síndico poderes para restringir o uso de áreas comuns e limitar ou proibir a realização de reuniões, festas e o uso do estacionamento por terceiros. As restrições não se aplicam nos casos de necessidade de atendimento médico, obras de natureza estrutural e benfeitorias necessárias.

 Fora do âmbito imobiliário e contratual, o Projeto também prevê algumas medidas interessantes, a saber: i) o adiamento até 30 de outubro de 2020 dos prazos de início de abertura de inventario relativos a falecimentos ocorridos a partir de 1º de fevereiro de 2020; ii) que a prisão por atraso de pensão alimentícia deverá ser domiciliar; iii) que até 30 de outubro de 2020, fica suspensa a aplicação do art. 49 do CDC, dispondo sobre o direito de arrependimento de 7 dias, na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos; iv) prorrogação da aplicação das penalidades advindas do não cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados para a partir de 1º de agosto de 2021; e v)  permissão de deliberação virtual em assembleia de empresas, inclusive para os casos de destituição de administradores ou mudança do estatuto.

 Tal projeto de lei pode ainda sofrer mudanças legislativas e executivas antes de sua aplicação, especialmente com a constante mudança fática vivenciada com a pandemia. Porém, cumpre notar que o texto atual visa trazer maior segurança jurídica para relações privadas em tempos de pandemia.

Por Mariana Valverde e Jean Pierre Moreau, advogados

Jean Pierre Moreau, advogado - Foto: Divulgação
Jean Pierre Moreau, advogado - Foto: Divulgação