A Lei do Bem e sua aplicabilidade direta às empresas optantes pelo lucro real e indireta às optantes pelo lucro presumido
A temática acerca das práticas adotadas pela Administração Pública em geral, com escopo a estimular por meio da desoneração fiscal as empresas que promovem a inovação tecnológica, é bastante debatida atualmente. Sobretudo, impulsionado pela Indústria 4.0, com conseguinte multiplicação de novos negócios estereotipados pelas startups, por exemplo.
É nesse contexto que sobrevém a Lei nº 11.196/2005, mais conhecida como Lei do Bem, e um significativo instrumento de estímulo às atividades de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I).Conforme divulgado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), pouco mais de mil empresas no Brasil, entre as mais de 17 milhões ativas, desfrutam do aludido benefício concedido pela legislação. O que se revela um número bastante tímido, visto que somente 0,007% das Pessoas Jurídicas formalmente registradas no Brasil usufruem de tais benefícios.
Surge aqui uma crítica contundente, em referência à Lei do Bem, já que ela cerceia suas principais diretrizes às empresas optantes pela apuração do IRPJ na forma do lucro real, que poderão garantir até 100% do Imposto de Renda com base no que foi gasto para despesas destinadas à inovação dentro da organização, excetuando tal benefício às companhias optantes pelo lucro presumido.
Desse modo, a carga tributária das startups – que enquadram-se, em razão da sua natureza jurídica, como micro ou pequenas empresas, optantes pela apuração contábil do lucro presumido – é de fato mantida intacta, se analisarmos estritamente o que prevê tal regra.
Em via contrária e a fim de estender tais benefícios indiretamente a tal grupo, consoante redação do parágrafo 2º do artigo 18 da referida Lei, bem como da Instrução Normativa RFB 1.187, de 2011, em seu artigo 4º, parágrafo 3º, as quais preveem que a terceirização da atividade de inovação à micro e às pequenas empresas que realizam atividades de P&D é plenamente possível, podendo ser considerados como dispêndios na apuração do benefício de inovação tecnológica pela empresa contratante e optante do lucro real.
Tal possibilidade é uma das motivações que nos levam a concluir os benefícios trazidos pela Lei às empresas também optantes pelo lucro presumido. Soma-se a isso a previsão de isenção tributária sobre receita de P&D (pesquisa e desenvolvimento), nos termos trazidos pelo parágrafo 2º do artigo 18 da lei.Dessa forma, pela interpretação da lei, ao mesmo tempo em que há crasso incentivo para a terceirização por meio da contratação de startups e empresas de micro e pequeno porte, optantes pela apuração contábil por lucro presumido para realização de projetos de pesquisa e desenvolvimento visando a inovação, há também a possibilidade de abatimento de tais dispêndios na base de despesas, além do incentivo direto, diante da isenção das receitas oriundas de tais projetos para referidas organizações.
Vale ressaltar que a viabilização de tais usufrutos de incentivos fiscais está entrelaçada à sistemática eminentemente declaratória, visto que a aderência ao lançamento declaratório inerente do IRPJ faz com que o contribuinte atraia para si a responsabilidade de aferição de aderência de sua realidade aos requisitos predispostos pela legislação.
O dispositivo legal prevê a aplicação de três cenários diferentes para as empresas optantes pelo lucro real, que prevê o abatimento de 60%, 80% e 100% das despesas destinadas à pesquisa e desenvolvimento, visando a inovação para fins de apuração do IRPJ.
Quanto à aplicabilidade do primeiro percentual, basta a empresa destinar parte das despesas à referida finalidade; já o segundo que acresce 20%, totalizando 80%, é incrementado, na hipótese de haver contratação de recursos humanos para viabilização do projeto. Por fim, para que se garanta os outros 20%, chancelando o total abatimento, é necessário gerar patente. O que, via de regra, é um trâmite mais moroso, em que é necessário o devido registro no INPI – Instituto Nacional de Propriedade Intelectual.
Trazendo uma análise concreta, imagine que determinada empresa, que opta pela apuração contábil via lucro real, possua R$ 500 mil de receita, R$ 200 mil de custos e despesas, acrescido de R$ 100 mil de despesas, que foram destinadas à P&D visando a inovação, o que vai gerar uma base de cálculo para fins de apuração do IRPJ (IRPJ 15% + IR 10% + CSLL 9%, totalizando 34% de incidência, excetuado à dedução de R$ 20 mil), de R$ 200 mil.
No entanto, se considerarmos que a mesma empresa faz jus ao benefício de 60%, a base de cálculo passa a ser de R$ 140 mil, o que vai gerar uma economia de R$20.400, visto que, sem esse benefício, seria devido pela referida tributação o perfaz de R$68 mil, e com o uso do auxílio de R$ 47.600.
Diante do exposto, para reduzir possíveis problemas nos relatórios que deverão ser encaminhados anualmente ao MCTI, é válido ressaltar certos cuidados que o contribuinte deve ter, a fim de evitar possibilidade de interpretação de fraude e correlatos, como, por exemplo, as evidências financeiras e técnicas do projeto na escrituração contábil, informações devidas em obrigação acessória (ECF), existência de dossiê documentado, evidências da gestão de projeto, entre outros.
A Lei do Bem, portanto, traz notórios benefícios às empresas que exercem atividades na área de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, mesmo que não utilizada em grande escala. Todavia, a aplicabilidade de algumas regras está condicionada ao requisito objetivo de abrangência estrita às companhias optantes pelo regime de lucro real, impedindo o usufruto direto do incentivo às empresas de micro e pequeno porte, incluindo as startups.
Há possibilidade, ainda, de parcerias, com a garantia das empresas abaterem custos de eventuais terceirizações para as organizações menores, tanto nas despesas com tal finalidade como na prerrogativa de isenção de receitas oriundas dessa atividade. Sendo assim, o marco legal, aqui exposto, representa indubitavelmente uma dupla aplicação: direta e indireta, em que caberá a cada empresa compreender qual delas é mais viável, conforme a sua estrutura.
Por Matheus Marques Borges, especialista em Direito Tributário e Direito Empresarial; e Sauro Jorge Silva da Cruz Filho, especialista em Direito Tributário