Publicada lei que regula as relações jurídicas de direito privado durante a pandemia
No último dia 12 de junho foi publicada a Lei nº 14.010/2020, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19).
O objetivo da lei foi criar regras transitórias para suspender, até 30/10/2020, a aplicação de alguns dispositivos legais, sem abordar questões tributárias, administrativas ou de natureza falimentar e recuperacional.
Após sofrer diversas emendas e vetos, a lei federal passou a estabelecer que:
i. Os prazos prescricionais e decadenciais estão impedidos ou suspensos;
ii. as assembleias gerais poderão ser realizadas por meio eletrônico, mesmo que não haja previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica;
iii. o consumidor não tem direito de arrependimento na hipótese de entrega domiciliar de produtos consumo imediato e de medicamentos;
iv. a contagem de tempo para usucapião fica suspensa;
v. as assembleias condominiais e as respectivas votações poderão ocorrer por meios virtuais e, se houver impossibilidade, o mandato do síndico será prorrogado;
vi. fica suspensa a eficácia de dispositivos anticoncorrenciais que regulam a venda de mercadoria injustificadamente abaixo do preço de custo; a cessação das atividades da empresa sem justa causa comprovada; e a associação, consórcio ou joint venture de duas ou mais empresas como ato de concentração sujeito à análise do Cade;
vii. a prisão civil por dívida alimentícia deverá ser cumprida sob modalidade domiciliar; (x) o início do prazo de abertura de inventários, nas sucessões abertas a partir de 01/02/20, fica prorrogado; (xi) a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados é postergada para 01/08/21.
Alguns dispositivos foram vetados pela Presidência da República, dentre os quais:
i. o artigo que previa a irretroatividade dos efeitos jurídicos das consequências decorrentes da pandemia do coronavírus nas execuções dos contratos, para fins de caso fortuito e força maior;
ii. dispositivo que pretendia classificar como previsíveis, para os fins exclusivos dos arts. 317, 478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetário;
iii. dispositivo que concedia poderes aos síndicos para restringir a utilização das áreas comuns, a realização de reuniões e festividades e o uso dos abrigos de veículos por terceiros;iv. dispositivo que vedava a concessão de liminar nas ações de despejo;
v. dispositivo que reduzia os repasses dos motoristas às empresas de serviços de aplicativos de transporte de individual e dos serviços e outorgas de taxi, bem como às empresas de serviços de entrega (delivery), em ao menos 15% (quinze por cento).
As mensagens de veto foram embasadas, em geral, na proteção do interesse público, na preservação da autonomia privada e da livre iniciativa, e no respeito ao princípio da interdependência e harmonia entre os poderes. Os vetos presidenciais ainda poderão ser rejeitados pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores.
O marco inicial de incidência do RJET é o dia 20/03/2020, data da publicação do Decreto Legislativo nº 6. Presume-se que a partir daí as relações de Direito Privado sofreram efeitos decorrentes da pandemia. Para efeitos decorrentes de situações ocorridas antes da referida data, não há presunção, devendo ser aplicadas as normas e princípios gerais do Direito. Frise-se que a Lei nº 14.010/2020 não é retroativa, mas alcança os efeitos futuros de fatos a ela anteriores.
As matérias que não foram reguladas pela Lei nº 14.010/2020 permanecem sujeitas aos dispositivos legais e entendimentos jurisprudenciais já existentes.
Por Ana Claudia Pereira Silva Lechakoski e Karen Chuchene, advogadas