Investigação defensiva é um instituto que pode ser usado no contexto do processo administrativo sancionador

 A investigação defensiva é uma metodologia para o exercício do direito do cidadão de produzir provas. Esse instituto foi concebido e vem sendo aplicado no contexto do processo criminal, no entanto, nada impede que seja utilizado também no processo administrativo sancionador.

A Constituição de 1988 instituiu as garantias fundamentais do contraditório e da ampla defesa a todos os cidadãos que sejam acusados de qualquer forma, seja em processos judiciais, seja em administrativos, e assegurou os meios inerentes ao exercício dessas garantias, dentre os quais está o direito de produzir provas.

Trata-se de garantias que devem nortear o exercício do Poder de Polícia pelo Estado, que é a fiscalização do cumprimento de padrões que são impostos aos cidadãos no exercício dos direitos de liberdade, de propriedade e de livre iniciativa. Aliás, muitos são os administrativistas, a exemplo de Marçal Justen Filho[1], Lúcia Vale Figueiredo[2], Emerson Gabardo[3] e Francisco Zardo[4], entre vários outros, que defendem que os princípios fundamentais da seara criminal devem ser aplicados no âmbito do direito administrativo repressivo.

Na hipótese então de esses padrões terem sido desrespeitados ou ultrapassados (como por exemplo no lançamento de efluentes com concentrações de poluentes acima dos limites permitidos pelos órgãos ambientais, na comercialização de produtos controlados fora das especificações aprovadas pelas autoridades regulatórias e em muitos outros casos previstos na legislação), o Estado tem o dever de instaurar o processo administrativo sancionador com o objetivo de constatar a efetiva ocorrência de uma infração aos padrões.

Mas ao mesmo tempo, deve permitir ao cidadão o exercício do contraditório e da ampla defesa, assim como tem o dever de decidir pela imposição de sanção administrativa expondo os motivos determinantes que o levaram a concluir dessa forma, a qual, não custa lembrar, também poderá ser utilizada como prova para embasar uma acusação criminal.

Por outro lado, as leis e regulamentos que instituem as infrações administrativas estabelecem também regras para a defesa e a produção de provas em favor do cidadão, cujo ônus é desconstituir a presunção de veracidade do auto de infração emitido. Assim, a autoridade que preside e conduz o processo administrativo sancionador tem o dever não só de decidir de forma motivada, como também o de oportunizar, e não impedir, o exercício do direito do cidadão de produzir provas, mesmo que as normas infraconstitucionais de procedimento não sejam claras a esse respeito, como de fato não são.

Com efeito, faltam regulamentos detalhados nos mais variados órgãos da Administração Pública indicando a liturgia apropriada para a produção de provas pelo cidadão que se defende em tais procedimentos. Além disso, na prática da advocacia o que se constata é um constante cerceamento do direito de produzir provas, em especial as perícias e as coletas de depoimentos, pois as autoridades, não raro, indeferem sua produção por considerá-las impertinentes e protelatórias.

Ao dificultar ou ainda impedir a produção de provas durante o processo administrativo, a autoridade esvazia o direito à defesa técnica, desviando o processo administrativo de seu objetivo que, com efeito, não é necessariamente impor sanção, muito menos a todo custo.

É nesse contexto que o Provimento nº 188/2018 do Conselho Federal da OAB é tão oportuno, pois traça um roteiro claro, e com segurança jurídica, para a metodologia de produção de provas que o advogado pode e deve adotar durante o exercício da defesa técnica do cidadão autuado. Ainda que concebido para as questões criminais propriamente ditas, pode e deve ser aplicado nos procedimentos administrativos.

Assim sendo, a partir do momento em que é constituído, o advogado pode lançar mão da investigação defensiva, para o esclarecimento da veracidade dos motivos determinantes da autuação ou da decisão de imposição de sanção, coletando dados e informações de acesso público, além de depoimentos e de laudos técnicos periciais, valendo-se ainda de colaboradores, como detetives particulares, peritos, técnicos e auxiliares de trabalhos de campo.

A propósito, as provas amealhadas por meio da investigação defensiva podem ser submetidas à autoridade que julga o processo administrativo sancionador e que, por sua vez, deve levar em consideração os fatos comprovados no curso do processo quando motivar a decisão, a qual deve ser necessariamente objetiva, clara e congruente, isto é, deve realizar um silogismo coerente entre os fatos comprovados e a normas jurídicas que instituem as infrações e suas sanções, mostrando a adequação, a proporcionalidade, a razoabilidade e a necessidade do resultado do julgamento administrativo. 

Com efeito, a motivação realizada conforme a lei é essencial na medida em que consiste num limite ao arbítrio do poder repressivo do Estado. Assim sendo, a instrução processual, alimentada pelos elementos de uma investigação defensiva, garante mais e melhores indícios ao escrutínio da motivação adotada da decisão administrativa, o que permite verificar, portanto, se o cidadão autuado teve suas garantias fundamentais respeitadas e, também, se o processo administrativo sancionador foi manejado consoante a finalidade prevista em lei e nada além disso.

Por Francisco Monteiro Rocha Jr., professor de Direito Penal da UFPR, doutor em Direito pela UFPR e advogado criminalista

Por Rafael Ferreira Filippin, doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR e advogado das áreas regulatória e ambiental 

Foto: Divulgação
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[1] FILHO JUSTEN, Marçal. Curso de direito administrativo. 10ªed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014
[2] FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
[3] GABARDO, Emerson; e BLANCHET, Luiz Alberto. A aplicação dos princípios do direito penal no direito administrativo. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 12, n. 47, jan/mar, 2012.
[4] ZARDO, Francisco. Infrações e Sanções em Licitações e Contratos Administrativos. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.