Convênio ICMS nº 220/2019: muitos erros e poucos acertos

Ante a regulamentação do Repetro-sped pelo Decreto nº 9.128/2017 e pela IN RFB nº 1.781/2017, surgiu o Convênio ICMS nº 03/2018 com o intuito de reconhecer a normativa federal que instituiu novos tratamentos tributários e aduaneiros ao então Repetro originário.

 Em apertada síntese, o Convênio ICMS nº 03/2018 permitiu que as empresas habilitadas ao Repetro-sped, leia-se: as operadoras, contratadas ou subcontratadas para explorar as jazidas de óleo e gás no país, pudessem ter base de cálculo do ICMS reduzida nas operações de importação ou aquisição no mercado interno de bens ou mercadorias destinadas ao exercício de suas atividades, de forma que a carga tributária fosse equivalente a 3% (três por cento), sem apropriação do crédito correspondente.

 De outra banda, alcançou os demais agentes da cadeia produtiva dos bens e mercadorias destinadas ao setor de petróleo e gás natural (fabricante finais e intermediários), concedendo isenção do imposto nas exportações, ainda que sem saída do território nacional, ou na venda interna, dentro ou fora do Estado onde se localizava o fabricante.

 Adicionalmente, concedeu isenção do ICMS às operações antecedentes nas quais fossem fabricados partes, peças, equipamentos, sobressalentes, dentre outros bens destinados à total incorporação ao produto final utilizado nas atividades de exploração, desenvolvimento e produção de óleo e gás. Logo, na nossa visão, o Convênio ICMS nº 03/2018 estava em completa harmonia com o regime federal que ampara o setor.

 Da forma como instituído, o Repetro-sped preservou a cadeia produtiva, trazendo, inclusive, a sistemática do Repetro-industrialização para permitir que a isenção fosse aplicada também aos modelos de negócios que contemplassem a contração direta ou indireta do bem pela empresa que detém a concessão.

 Apesar disso, o Convênio ICMS nº 03/2018 sofreu severas modificações pela ratificação do Convênio ICMS nº 220/2019, este que se apresenta como uma distorcida miscelânea de normas no âmbito CONFAZ na medida em que limitou a concessão do benefício estadual somente aos fabricantes de bens (finais ou intermediários) com vínculo contratual com os beneficiários do Repetro, em todas as suas modalidades.

 Noutras palavras, o Convênio ICMS nº 220 priorizou aqueles elos da cadeia produtiva com vínculo contratual com as empresas operadoras, contratadas ou subcontratadas, sujeitando todos os demais elos ao inevitável aumento da carga tributária em razão das restrições criadas no âmbito do CONFAZ e que estão sendo regulamentadas perante os Estados, tal como aconteceu no Rio de Janeiro na última semana.

 A nova redação atribuída aos incisos I e II da Cláusula Terceira tem erros que prejudicam sobremaneira a sua própria aplicação, pois define que a isenção do ICMS somente estaria atrelada àqueles “fabricantes” habilitados no Repetro-sped.Todavia, JAMAIS os fabricantes finais e/ou intermediários estarão devidamente habilitados ao Repetro-sped, pois não há qualquer previsão legal que os inclua no rol de sujeitos passíveis de figurarem como beneficiários do referido regime. Vale informar que este erro também se repete na Cláusula Primeira – A introduzida pelo Convênio ICMS nº 220/2019.

 Não há como desconsiderar que os fabricantes, finais ou intermediários, estão impossibilitados legalmente de se habilitarem ao Repetro originário ou sped, os quais se vinculam apenas aqueles que exploram economicamente os ativos (navios-sonda, plataformas FPSO etc.) no país nas atividades de exploração das jazidas de óleo e gás. Portanto, houve na Cláusula Terceira uma tentativa de vinculação inapropriada dos fabricantes ao expressar o regime do Repetro-sped, tornando impossível a aplicação desta norma.

 Mesmo que fosse superado o equívoco do uso da expressão “bem fabricados no país por pessoa jurídica devidamente habilitada ao REPETRO-SPED de que trata este convênio”, com todos os erros que gravitam nestes enunciados, ainda assim a Cláusula Quinta alterada pelo Convênio ICMS nº 220/2019, extirpou os fabricantes sem vínculos contratuais com os habilitados de Repetro-sped de usufruírem dos benefícios estaduais, realidade de boa parte do players nacionais.

 Neste sentido, o benefício estadual passou a ser exclusivo para os contribuintes habilitados ao Repetro-sped e industrialização, excluídos todos os demais fabricantes que contribuem para a formação do produto final e que estavam amparados no Convênio ICMS nº 03/2018, antes das alterações promovidas pelo Convênio ICMS nº  220/2019, embora permanecem não onerados pelos tributos federais para as suas aquisições nacionais e importadas em razão de regimes aduaneiros isentivos vigentes, tais como drawback integrado, o entreposto aduaneiro etc.

 Em suma, o que se observa é que os Estados ainda não tinham o adequado entendimento da ampliação dos tratamentos tributários promovidos pela legislação federal, nem a dimensão exata da complexidade das operações que envolvem este ciclo produtivo, ou tentaram induzir, equivocadamente, a remodelagem dos negócios praticados pela indústria naval brasileira.

 Portanto, os equívocos que se refletem nas inúmeras imprecisões terminológicas, em normas que se mostram fora do universo do possível haja vista sua inviável subsunção, um verdadeiro unicórnio normativo indigesto para os fabricantes nacionais, cujos ônus irradiarão por toda cadeia econômica mitigando a competitividade.

 Por Flávia Holanda Gaeta, advogada doutora em Direito