A reforma de um tributo. Só?
Amplamente divulgada na imprensa nesta semana, a visita do Ministro Paulo Guedes ao Congresso Nacional tem o propósito de dar o pontapé inicial na decantada reforma tributária.
Do que se pode depreender das informações iniciais, o Governo Federal propõe a criação da CBS (Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços) mediante a unificação das Contribuições ao PIS e à COFINS, que atualmente incidem sobre a mesma base de cálculo: as receitas auferidas mensalmente pelas pessoas jurídicas.
De fato, PIS e COFINS merecem ser reunidas, pois já vêm sendo tratadas pela legislação de forma similar (quase idêntica) há muitos anos e implicam em uma complexidade enorme quanto às suas apurações quando se fala na modalidade “não-cumulativa”. Ademais, essas contribuições comportam outras modalidades de apuração (ex.: cumulativa, monofásica, substitutiva da cadeia tributária, na importação etc.), que mudam conforme as atividades exercidas pelas pessoas jurídicas e a natureza das receitas por elas auferidas.
Diante desse complexo cenário, que implica no quantum a ser arrecada pela União Federal, essas contribuições deram causa a um imenso contencioso administrativo e judicial, que atolam os escaninhos da administração pública e do Poder Judiciário.
Portanto, no sentido de simplificação, a adoção de alíquota linear (12%) para quase todas as pessoas jurídicas (exceção ao setor financeiro com alíquota menor, 5,8%) e apuração em sistemática de valor agregado (o tributo pago na etapa anterior da cadeia operacional será descontado para a apuração da incidência subsequente), a ideia parece ser boa.
Contudo, o elogio para por aqui, pois está se vendendo a ideia de Reforma Tributária em um país que tem uma carga tributária que gira em torno de 33% do PIB, com um baixíssimo índice de retorno social, sendo que além dos PIS e da COFINS há em torno de mais de 60 outros tributos, impostos, taxas e contribuições (muitos deles altamente complexos) em plena vigência no Brasil.
Nesse contexto, importa destacar que antes dessa proposta apresentada pelo Governo já existiam duas outras tramitando no Congresso Nacional (PEC 45/2019 na Câmara de Deputados e PEC 110/2019 no Senado Federal), as quais dispõem sobre a simplificação tributária sob uma ótica mais abrangente, com a reunião de mais tributos (ex.: IPI, II, Contribuições Sociais, etc.), inclusive os de competência dos Estados (ICMS) e dos Municípios (ISS).
Com efeito, ainda que também sejam objeto de críticas, pois não tratam de outros vetores importantíssimos e custosos aos contribuintes brasileiros, como as incidências sobre a folha salarial, sobre o patrimônio (ex.; ITBI, ITCMD, IPTU, ITR, IPVA) e sobre a renda (imposto de renda e contribuição social sobre o lucro líquido das empresas), são propostas bem estudadas, que buscam diminuir a complexidade do sistema tributário e criar um ambiente mais neutro em termos de tributação, de forma a assegurar melhor distribuição da carga tributária frente a todos aqueles que demonstrem capacidade contributiva.
Assim, considerando-se que até pouco tempo atrás nenhuma proposta havia sido divulgada pelo Governo Federal, tendo inclusive sido aventada mais uma vez a criação de uma CPMF (tributo regressivo, que impacta o custo de todos os bens e serviços), nos parece que essa reunião do PIS e da COFINS “na correria” se afigura como mais um remendo e não de uma efetiva reforma tributária, a qual teria o objetivo de sanear o sistema tributário para as próximas décadas, promovendo o desenvolvimento do Brasil.
Diante dessa crítica isso, seria possível lançar argumento contrário no sentido de que já é um começo e que o Governo Federal tem a intenção de puxar a fila para que outras fases de reforma sejam lançadas, com a inclusão de outros tributos federais, estaduais e municipais.
Se assim o fosse, caberia ao Governo Federal apresentar claramente as demais fases da reforma e não apenas mencionar de forma pouco clara que pretende isentar de tributação de imóveis residenciais, e modular a tributação sobre a renda e sobre a folha de salários.
Do que já se sabe, mantendo-se os demais tributos vigentes, a unificação do PIS e da COFINS com a alíquota linear de 12% acarretará um aumento da carga tributária brasileira. E como esses tributos são tratados como custos pelas pessoas jurídicas, certamente serão repassados aos preços praticados ao consumidor final. Portanto, quem vai pagar essa conta será, mais uma vez, o povo.
Ademais, quanto ao setor de serviços, responsável por aproximadamente 70% do total da mão de obra contratada regularmente no Brasil, a carga tributária será ainda mais gravosa, pois a contratação de pessoas não gerará direito a deduções da CBS, o que poderá impactar na redução das contratações.
Mesmo as empresas do Simples Nacional, que possuem uma carga de tributos reduzida, serão prejudicadas, pois uma empresa não é aberta para operar com limitação de receitas e se enquadrar no Simples Nacional. O empreendedor quer desenvolver suas atividades, ver o seu negócio crescer. Do modo em que concebida essa proposta, assim que o pequeno empresário conseguir se tornar uma empresa de médio porte, passará a ser tributado pesadamente, o que certamente impactará no seu desenvolvimento.
Em tempos de grandes mudanças de paradigmas sociais e econômicos em nível mundial, fruto das novas tecnologias, mas também dos efeitos do mau uso dos recursos naturais, nosso país precisa fazer bem a lição de casa, sob pena de se manter atrasado e consequentemente aumentar a desigualdade social que se faz há muito presente.
Posto isso, importante que se tenha em mente que uma Reforma Tributária não pode ser representada pela unificação de apenas dois tributos, e com aumento significativo de alíquota, pois a visão tem que ser prospectiva, de modo a aproveitarmos a oportunidade para lançarmos as bases de um ambiente tributário saudável, mais simples, neutro, abrangente e, consequentemente, possível. Portanto, na modesta opinião deste estudioso do tema com base nas informações preliminares divulgadas até o momento, essa primeira fase não pode ainda alcançar o foro de uma verdadeira reforma tributária, mas da criação de um novo tributo.
Nas próximas semanas, pelo que divulgado no Portal do Senado Federal, o senador Roberto Rocha promoverá audiências públicas sobre o tema. Assim, espera-se que os setores produtivos do país (v.g., indústria, comércio, agronegócio, construção civil, exportação, energia e setor terciário, principalmente o de serviços) participem ativamente do debate sobre a Reforma Tributária, propugnando que seja algo mais abrangente e consistente.
Por Eduardo Gonzaga Oliveira de Natal, advogado, mestre em Direito Tributário, membro da Academia Brasileira de Direito Tributário (ABDT) e da International Bar Association (IBA). Autor do livro “A Dinâmica das Retenções Tributária”