Suspensão nacional dos processos de restituição do PIS e COFINS
O ambiente de pandemia está contaminado por três vírus. O Covid-19, afetando a todos. A hiperinformação, causadora de tensão e estresse permanente, seja por conta da descabida atenção a distorções e mentiras e do ambiente sócio-político. E o pior de todos, a omissão de debates importantes sobre medidas de órgãos de estado para impor suas vontades à sociedade economicamente organizada.
Um dos exemplos mais acintosos disso – que mostra que a intenção de passar uma boiada de medidas em favor da máquina do Estado já acontece – está na mesa da Ministra do STF, Carmem Lucia. Tema que - pela abordagem técnica tributária – é sempre posta em segundo plano porque aparente não interessar à opinião pública. Pois bem, o assunto interessa a todos os brasileiros que têm empresas, geradores de empregos, a todos os funcionários e àqueles que aguardam vagas para ganharem salários e alimentar suas famílias. Ou seja, todo mundo.
No dia 14/05/2020 (quinta-feira), a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN protocolou junto ao Supremo Tribunal Federal – STF pedido para que todos os processos vinculados ao Recurso Extraordinário nº 574.706/RG fossem suspensos até o julgamento dos Embargos de Declaração pendentes de apreciação. Subsidiariamente, a PGFN requereu a suspensão de todos os processos que discute a forma de cálculo desse crédito tributário a ser restituído ao contribuinte.
O mencionado processo, com Repercussão Geral reconhecida (Tema 69), discutiu a tese tributária de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, cujo julgamento de mérito ocorreu em 2017, com resultado favorável ao contribuinte. Na ocasião, a declaração de inconstitucionalidade do Pleno do Supremo Tribunal Federal foi no sentido de que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da COFINS, já que não se enquadra no conceito de faturamento para fins de incidência dos tributos federais em questão.
Sob pretensa violação aos princípios da segurança jurídica e da isonomia, a recente petição da PGFN pretende suspender todos os processos vinculados ao Tema 69 que tramita no STF por entender que (i) o julgamento do Pleno requer a modulação temporal de seus efeitos para a correta execução do julgado, a ser proferida no julgamento do Embargos de Declaração pendentes; (ii) supostamente o acórdão do STF não definiu o critério de cálculo do ICMS para fins de restituição dos créditos de PIS e COFINS incidentes na operação, a saber, o destacado na nota fiscal ou o pago pelo contribuinte; (iii) como consequência, a ausência de critério de cálculo está gerando divergências de entendimentos no âmbito dos Tribunais Regionais Federais, com potencial de trânsito em julgado em massa de tais processos sem a observância dos parâmetros firmados definitivamente pelo STF.
Porém, evidencia-se que a única finalidade do pedido da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional foi postergar o efetivo aproveitamento dos créditos pelo contribuinte, já que a tese da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS foi definitivamente julgada pelo STF desde 2017, inclusive definindo o critério de cálculo para fins de restituição do tributo indevidamente pago, que foi a da utilização do ICMS destacado na nota fiscal.
Inclusive, todos os Tribunais Regionais Federais vêm se posicionando reiteradamente nesse sentido, mantendo sentenças que garantem aos contribuintes o direito à restituição do PIS e da COFINS, utilizando-se o ICMS destacado na nota fiscal como critério de apuração do crédito devido, como se vê abaixo:
“Com base na expressa orientação firmada pelo STF, a jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido de que o valor do ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS é o destacado na nota fiscal, e não o ICMS efetivamente pago ou arrecadado” (TRF1, Apelação Cível nº 0014362-20.2015.4.01.3200, Relator(a) DESEMBARGADORA FEDERAL ÂNGELA CATÃO, SÉTIMA TURMA, Data 10/03/2020, Data da publicação 20/03/2020)
“A questão da definição do montante do ICMS que deve ser excluído da base de cálculo da COFINS e da Contribuição ao PIS, que se refere à extensão do provimento a ser concedido nas ações sobre o tema, foi objeto de decisão expressa do STF, para quem todo o ICMS destacado nas notas é passível de exclusão.”(TRF2, Apelação Cível/Reexame Necessário nº 0099174-08.2017.4.02.5104, Órgão julgador: 4ª TURMA ESPECIALIZADA, Rel. Des. FIRLY NASCIMENTO FILHO, Data de decisão 30/03/2020, Data de disponibilização 01/04/2020)
“Ademais, no julgamento do RE n. 574.706, restou efetivamente discutida essa questão, dado que a não cumulatividade do ICMS foi analisada tanto sob o ponto de vista contábil quanto o jurídico, conforme explicitado no voto proferido pela Excelentíssima Ministra Carmen Lúcia (página 23 do inteiro teor do acórdão), litteris:
(...) conquanto nem todo o montante do ICMS seja imediatamente recolhido pelo contribuinte posicionado no meio da cadeia (distribuidor e comerciante), ou seja, parte do valor do ICMS destacado na “fatura” é aproveitado pelo contribuinte para compensar com o montante do ICMS gerado na operação anterior, em algum momento, ainda que não exatamente no mesmo, ele será recolhido e não constitui receita do contribuinte, logo ainda que, contabilmente, seja escriturado, não guarda relação com a definição constitucional de faturamento para fins de apuração da base de cálculo das contribuições. Portanto, ainda que não no mesmo momento, o valor do ICMS tem como destinatário fiscal a Fazenda Pública, para a qual será transferido.
Dessa forma, bem como nos moldes do artigo 13, §1º, da LC n. 87/96, os numerários de ICMS permitem destaque na respectiva nota fiscal e, portanto, jamais podem integrar o preço da mercadoria ou da prestação do serviço para fins de cálculo da receita bruta do contribuinte”(TRF3, 4ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5002154-21.2017.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal ANDRE NABARRETE NETO, julgado em 12/05/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 15/05/2020)
“O ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS é o destacado na nota fiscal”(TRF4, AC 5022404-94.2018.4.04.7108, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 13/05/2020)
TRIBUTÁRIO. EXCLUSÃO DO ICMS DA BASE DE CÁLCULO DA COFINS E DO PIS. DIREITO.(...)10. Note-se, por relevante, que, no voto do Min. Gilmar Mendes, ao fazer breve resumo do caso posto a julgamento, foi assinalado que na origem o juiz havia julgado procedente o pedido e concedido a segurança pleiteada, "para reconhecer o direito da impetrante de excluir da base de cálculo da COFINS e do PIS a parcela relativa ao ICMS destacado da nota fiscal, bem como para declarar seu direito de compensar os valores indevidamente recolhidos a esse título, observado o prazo prescricional". A referida decisão foi reformada pelo TRF4, tendo o contribuinte interposto o recurso extraordinário, ao qual foi dado provimento, com a fixação da tese de que "O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS".(...)(TRF5, PROCESSO: 08041368720194058302, AC - Apelação Civel - , DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO DANTAS (CONVOCADO), 2ª Turma, JULGAMENTO: 04/05/2020, PUBLICAÇÃO: )
Conclui-se que, mesmo havendo uniformidade de entendimento quanto ao mérito da tese fixada no RE 574.706/RG pelos Tribunais Regionais Federais, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional busca obter a pretensa suspensão nacional com grande potencial de cercear o direito dos contribuintes ao ressarcimento do PIS e da COFINS que incidiram sobre o ICMS destacados nas suas operações, criando distorções tributária com os contribuintes que já tiverem seus processos transitado em julgado.
Até o momento, ninguém foi cobrar da PGFN explicações públicas sobre isso. Afinal, traduzindo, pretendem descumprir decisão judicial? Se há irregularidades em alguns pedidos, que medidas sejam adotadas contra estes.
Por Marcelo Magalhães Peixoto, presidente fundador da APET – Associação Paulista de Estudos Tributários, advogado e mestre em Direito Tributário