Abandono afetivo: o que fazer quando os pais não cumprem o dever de cuidado e criação dos filhos?
Em 2020, mais de 80 mil crianças foram registradas sem o nome do pai na Certidão de Nascimento, ou seja, a cada ano 6% dos bebês nascidos no Brasil são registrados sem o nome paterno, de acordo com a Central de Informações do Registro Civil. No total são mais de seis milhões de crianças que só contam o nome da mãe no documento. Além disso, há 12 milhões de mães, neste momento, chefiando sozinhas seus lares.
Por muito tempo a sociedade viveu sobre o conceito de que a responsabilidade de criação e cuidado com os filhos deveria vir da figura materna, esquecendo e muito da responsabilidade recíproca que teria que existir já naquela época em relação ao pai. Felizmente, nossa legislação evoluiu muito ao longo do tempo e, hoje, criar os filhos é uma responsabilidade de ambos os genitores, em total igualdade. Quando isso não é feito, não há o mínimo de interesse e participação na vida da criança e a relação é negligenciada por puro descaso daquele que tinha o dever jurídico, até mesmo moral e ético, de amparar o menor, surge o abandono afetivo.
Infelizmente, é muito comum em casos de divórcio, um dos genitores passar a ver a criança como um “anexo do outro” e, assim, se portarem como se o vínculo com o filho tivesse acabado em conjunto com a relação amorosa. Há, inclusive na mídia, diversos casos de filhos com saudade daquele que foi embora do lar, tentando a todo custo entrar em contato pelas redes sociais ou outros aplicativos e acabarem sendo completamente ignorados por aquele que lhe deu a vida.
Existem também situações em que homens que tiveram filhos em relações casuais, quando não necessariamente existia um vínculo afetivo, entenderem que por não terem feito uma escolha deliberada sobre o nascimento não tem nenhum dever enquanto genitor, no máximo, a pagar uma pensão – isso quando pagam - se o juiz determinar.
Importante ressaltar, mais uma vez, que mesmo que um dos pais acabe ficando mais distante, afastado devido às mais variadas situações, não significa que ele não tenha responsabilidade ou dever de estar mais próximo e ter uma relação de afeto e amor para com o filho. Pelo contrário, esse tipo de comportamento não só é muito cruel com a criança, como também sobrecarrega de uma forma muito intensa aquele que detém a guarda e que cuida do filho sozinho.
E, pensando do ponto de vista das crianças, já é consolidado que a ausência de uma figura paterna pode implicar em uma série de traumas e problemas psicológicos graves, muitas vezes irreversíveis, e ocasionar sensações intensas de tristeza, depressão, dor e rejeição. Muitas vezes, o primogênito assiste o genitor constituindo uma nova família, novos filhos, fazendo viagens, curtindo com os amigos, adquirindo bens, sem sequer receber uma fagulha de carinho e atenção.
Hoje, o Direito ao menos ampara na medida do possível essa situação, tenta amenizar todo esse sofrimento e toda essa rejeição experimentada, oferecendo a oportunidade de indenização quando o dever de assistir afetivamente o filho é descumprido. Nada que seja oferecido materialmente poderá de fato preencher ou reparar o dano causado ao menor, mas essa é ao menos uma tentativa de provocar o Poder Judiciário para que o genitor ausente e negligente reconheça suas falhas, seja repreendido e punido educativamente.
As indenizações giram entre valores bem expressivos como R$50 mil e R$130 mil reais, entretanto, ao mesmo tempo, se analisados a fundo, são insuficientes para suprir a falta que essa pessoa fez na vida dessa criança. Óbvio que não podemos obrigar um pai ou uma mãe a amar seu filho, mas é justo constrangê-lo para que o(a) genitor(a) no mínimo participe, ajude a criar e tenha algum tipo de afeto com a criança, que afinal de contas é de sua responsabilidade também.
Existem outras medidas que podem ser tomadas além da própria indenização, entretanto, são pouco utilizadas no dia-a-dia. Em tese, poderá ser cobrado judicialmente que esse pai ou mãe visite a criança e caso não o faça, poderá ser aplicada uma multa. Também é possível optar pela exclusão do sobrenome do pai ou da mãe que abandonou o filho. Mas, na prática, são situações que devem ser pontuadas, sempre em prol do bem-estar da criança. Afinal de contas: você gostaria de forçar o filho a frequentar a casa de um genitor que não quer sua presença lá? É um pouco complicado, mas caso entenda que faz sentido, saiba que existe essa opção.
*Danielle Corrêa é advogada desde 2007, com pós-graduação em Direito de Família e Sucessões. Membro da OAB-SP e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).