As competências do Contran e os simuladores de direção veicular
O Conselho Nacional de Trânsito (Contran), por expressa determinação do artigo 7º, inciso I, do Código de Trânsito Brasileiro, é o “coordenador” do Sistema Nacional de Trânsito e seu respectivo “órgão máximo normativo e consultivo”.
Pela posição que ocupa dentro deste sistema, é fácil verificar que o Contran, “presidido pelo dirigente do órgão máximo executivo de trânsito da União” (artigo 10, CTB), goza de abrangente espectro de competências.
A corroborar tal assertiva, o artigo 12, do mesmo CTB, elenca, em 15 incisos, as competências do referido órgão, ao qual incumbe, por exemplo, “estabelecer as normas regulamentares referidas” no Código, fixar “as diretrizes da Política Nacional de Trânsito” e “coordenar os órgãos do Sistema Nacional de Trânsito”. No que tange especificamente à definição dos preceitos que devem reger o processo de obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), prevê-se competir ao Contran “normatizar os procedimentos sobre a aprendizagem, habilitação, expedição de documentos de condutores (...)” e, conforme estatui a recente Lei Federal nº 13.281/2016, “normatizar o processo de formação do candidato à obtenção da Carteira Nacional de Habilitação, estabelecendo seu conteúdo didático-pedagógico, carga horária, avaliações, exames, execução e fiscalização”.
Verifica-se, por conseguinte, que o Contran, órgão máximo normativo do Sistema, goza de ampla competência para criar preceitos normativos que estabeleçam de que maneira deve se dar o processo de capacitação dos motoristas nacionais, circunstância que é de suma importância, notadamente em vista dos alarmantes índices de acidentes vivenciados pelo Brasil e pela necessidade de que haja constante aprimoramento na legislação pertinente à matéria, o que não é concebível no âmbito da legislação ordinária, de competência do Congresso Nacional.
Foi justamente no exercício dessas competências legais inequívocas que o órgão editou a Resolução nº 543/2015, que trata da obrigatoriedade de que os candidatos à obtenção de CNH realizem, durante o processo de formação, 5 horas de aula com a utilização de simuladores de direção veicular. Tais equipamentos, com eficácia cientificamente comprovada, permitem ao aluno adquirir habilidades para reagir a situações adversas no trânsito, tais como chuva intensa, neblina, aquaplanagem, entre outros, do que decorre redução significativa e comprovada dos índices de acidentes de trânsito.
Apesar disso, logo após a entrada em vigência da norma mencionada, atualmente reverenciada pela grande maioria das autoescolas e Centros de Formação de Condutores (CFCs) brasileiros, bem como pelos sindicatos correspondentes, algumas demandas judiciais foram propostas para questionar a sua validade, todas elas alicerçadas nos mesmos equivocados argumentos.
Em síntese, nas ações aludidas afirma-se que: (i) o Contran não teria competência para criar a obrigatoriedade da utilização dos simuladores; (ii) a obrigatoriedade da utilização dos simuladores equivaleria a um exame de aptidão para dirigir; e (iii) a imposição da utilização dos simuladores inviabilizaria a atividade econômica das autoescolas.
Cumpre registrar, nesse contexto, que afirmar que o Conselho Nacional de Trânsito não dispõe de competência para criar normas relacionadas ao processo de formação do motorista brasileiro, mesmo sendo identificado pelo Código de Trânsito Brasileiro como sendo o “órgão máximo normativo” da matéria, não soa adequado.
Além disso, com a explicitação das competências do órgão, promovida pela Lei Federal nº 13.281/2016 (novo inciso XV, do artigo 12 do CTB), é indene de dúvida que a Resolução nº 543/2015 é válida. Afinal, pode o Contran definir, em todos os seus aspectos (avaliações, exames, carta horária, conteúdo didático-pedagógico) e de que maneira deve ser estruturado, o processo de formação do candidato à obtenção da CNH.
Não havia, antes da introdução desse comando no CTB, em minha opinião, qualquer dúvida quanto ao fato de que a obrigatoriedade de utilização dos simuladores de direção veicular foi criada pelo órgão competente. Agora, com o novo inciso XV, do artigo 12 do CTB, dificilmente alguém bem informado e de boa-fé haverá de defender posição diversa.
A ideia de equiparar a utilização dos simuladores de direção veicular aos exames de aptidão exigidos pelo Código de Trânsito Brasileiro, de igual maneira, é absolutamente descabida – para dizer o mínimo. Afinal, qualquer profissional que atue na educação de candidatos à CNH sabe que o processo de obtenção da habilitação é segmentado em etapas de formação e de avaliação.
A implementação do uso dos simuladores na capacitação dos motoristas brasileiros em absolutamente nada interfere nos testes de aptidão a que são submetidos, elencados no artigo 147 do CTB. Com efeito, a Resolução nº 543/2015 nada mais fez do que aprimorar a qualidade do ensino ofertado àqueles que, depois de concluída a etapa preparatória, são submetidos a exames. Tais exames, atualmente, repise-se, são rigorosamente os mesmos que existiam antes da edição da Resolução mencionada.
Registre-se, outrossim, que a Resolução nº 493/2014, também editada pelo Contran, previu a possibilidade de que os Centros de Formação de Condutores compartilhem ou aluguem os simuladores em sistema de comodato, o que revela o despropósito que é a alegação de que haveria a obrigação de aquisição dos equipamentos.
Desse modo, é fácil notar que, lançar olhar técnico sobre a Resolução nº 543/2015, com base na integralidade das informações que versam sobre a matéria, confere a possibilidade inequívoca das seguintes conclusões:
(i) a Resolução nº 543/2015 do Contran é válida, porquanto editada pelo órgão competente, situação que ficou ainda mais clara com o advento da Lei Federal nº 13.281/2016;
(ii) a Resolução nº 543/2015 do Contran não traz qualquer alteração nos exames de aptidão aplicados aos candidatos à habilitação;
(iii) a Resolução nº 543/2015 do Contran não traz qualquer tipo de obrigação impeditiva do exercício das atividades econômicas pelas autoescolas;
(iv) e, mais importante, a Resolução nº 543/2015 do Contran promove a proteção da vida, valor máximo da ordem jurídica nacional.
É isso que diz a lei, é disso que precisa otrânsito brasileiro.
Por Conrado Almeida Corrêa Gontijo, doutorando e mestre em Direito pela Universidade de São Paulo e pós-graduado em Direito pela Fundação Getúlio Vargas e pela Universidade Castilla-la-Mancha (Espanha)