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Os direitos humanos
em face das rupturas
da globalização
A
crise vivenciada pelomundo globalizado demons-
tra que não há o que se comemorar em mais um
aniversário da “Declaração dos Direitos do Ho-
mem e do Cidadão” de 1789. Emminicurso, recentemen-
te ministrado pela Doutora María José Fariñas Dulce,
professora visitante do Programa de Mestrado em Di-
reitos Fundamentais e Democracia da UniBrasil, restou
claro o triunfo dos “direitos do mercado e compatíveis
com o mercado” sobre os direitos dos seres humanos
concretos. Trata-se do resultado da conjugação entre a
doutrina política da globalização e a crise econômico-f-
nanceira das sociedades atuais, levando a uma ruptura
socioeconômica e outra sociocultural.
Para a catedrática em Filosofa do Direito da Universi-
dade Carlos III, a primeira ruptura decorre da expansão
mundial do sistema capitalista global, que, por um lado,
produziu um império fnanceiro monopolizado, e, por
outro, uma reserva mundial de mão de obra barata. Isto
se traduz em uma prevalência da “segurança, liberda-
de contratual e propriedade privada”, proclamadas pela
Declaração de 1789, sobre os direitos à moradia, à edu-
cação, à saúde, ao trabalho, ao desenvolvimento huma-
no e ao meio ambiente, resolvendo-se a equação capi-
talismo/democracia em favor do capitalismo como um modelo econômico global. Já a
segunda é um processo de desestruturação individualista, que rompe com a solidarie-
dade dos grupos e conduz os cidadãos a se desenvolverem como indivíduos isolados.
Em lugar de uma luta unitária por emancipação, os seres humanos se veem fragmenta-
dos por características étnicas, religiosas ou de gênero, suscitando confitos de identi-
dades que ocultam a desigualdade social. Trata-se, por exemplo, do “fascismo social”
que deposita nos imigrantes a causa de todos os males e insatisfações da sociedade (La
globalización y sus escisiones: escisión socio-económica versus escisión socio-cultural,
p. 4-5).
Nesse contexto, igualdade e diferença destacam-se como as duas faces de uma con-
cepção de direitos humanos capaz de controlar a globalização neoliberal. María José
Fariñas Dulce aponta para a necessidade de regular a política, as estruturas fnanceiras
e as relações de trabalho, com vistas a compartilhar recursos naturais, defnir ummode-
lo de desenvolvimento socioeconômico e eleger critérios éticos para a segurança das
nações, em face da impossibilidade dos Estados agirem individualmente em um cenário
global. Para tanto, a perspectiva universalista dos direitos humanos é uma técnica de
regulação insufciente, por se revelar como uma promessa não cumprida da moderni-
dade, que exclui e oculta diferenças.
Após lançar semelhante crítica, a professora espanhola sustenta que os direitos huma-
nos não devem ser considerados como uma abstração, mas como respostas históricas
aos processos de lutas sociais. Para tanto, lembra a afrmação do direito à liberdade
religiosa, consagrado pelas declarações de direitos do século XVIII, ou a conquista dos
direitos dos consumidores nas sociedades pós-industrializadas, no século XX. Eis que o
enfrentamento dos confitos gerados pelas sociedades pluralistas, como as que se fa-
zem presentes em um contexto global, requer uma reconstrução dos direitos humanos
amparados em uma perspectiva intercultural.
Historicamente, as sociedades modernas resolveramos confitos gerados pelo pluralismo
por perspectivas teóricas que resultaram em um monismo, inaugurado pela Declaração
de 1789: não obstante, diversas classes sociais se congregassem em busca de afrmação
da igualdade entre os homens, esta não signifcou mais do que a proteção das liberdades
de uma única classe contra os privilégios do Antigo Regime, a burguesia. De modo seme-
lhante, a catedrática da Universidade Carlos III demonstra que as perspectivas da assimi-
lação e do multiculturalismo são caracterizadas por uma hierarquia cultural que impede o
diálogo, excluindo e absorvendo as diferenças, em lugar de integrá-las.
Segundo María José Fariñas Dulce, o horizonte do diálogo pressupõe a igualdade. Para
tanto, são necessários instrumentos que emancipem os sujeitos, já que o diálogo não
se mostra possível quando presentes desigualdades econômicas, sociais e culturais. A
“hermenêutica diatópica”, suscitada por Raimundo Panikkar, é um desses instrumen-
tos. Ao considerar os equivalentes funcionais de cada cultura, delineia um diálogo am-
parado na negociação de valores transculturais e no respeito às diferenças. Não se tra-
ta de considerar a universalidade como um ponto de partida, mas como um ponto de
chegada, uma perspectiva a ser alcançada por meio dos direitos humanos.
Como resultado dos ensinamentos da professora espanhola, desponta o sentido de
igualdade que deve permear os direitos humanos, ora endossado pelas palavras de Bo-
aventura de Sousa Santos: “temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferio-
riza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza” (Por uma
concepção multicultural de direitos humanos, p. 272).
Rosalice Fidalgo Pinheiro,
Coordenadora do Programa
de Mestrado em Direitos
Fundamentais e Democracia
da UniBrasil e professora
da Faculdade de Direito da
UFPR
Por: Rosalice Fidalgo Pinheiro