Modelos de execução dos serviços públicos pautam discussões em congresso do IPDA
Também foram abordadas a 4ª Revolução na administração pública e a possibilidade de se qualificar a Internet como um serviço público
Com mediação da professora Regina Bacellar, o quinto painel do XX Congresso Paranaense de Direito Administrativo, organizado pelo Instituto Paranaense de Direito Administrativo - IPDA, realizado na OAB Paraná, debateu sobre as mudanças necessárias na gestão contemporânea dos serviços públicos.
A relatoria ficou a cargo da professora Amanda Luiz Oliveira Pinto e os debates foram conduzidos pelos professores Barbara Dayana Brasil, Fernanda Bourges, Bernardo Strobel Guimarães, Luiz Alberto Blanchet e Paulo Roberto Ferreira Motta.
Os professores falaram sobre o modelo ideal de execução dos serviços públicos e os novos serviços públicos da 4ª Revolução e discutiram sobre a possibilidade de se qualificar a Internet como um serviço público.
Regime jurídico
Já o professor Luiz Alberto Blanchet destacou que precisamos ter cautela: “estamos nos referindo a espécies ou regimes jurídicos?”. A questão se deve à primeira pergunta do painel “Atualmente, qual é o modelo ideal de execução dos serviços públicos: público, público-privado ou apenas privada? O professor respondeu: Público. Explicou que no Direito Administrativo tudo tem sua resposta direta ou indiretamente na Constituição.
Blanchet citou os artigos 175 e 145 para justificar sua opinião. “O primeiro deixa claro que o serviço público deve ser prestado pelo Estado. Dentro dos limites constitucionais atuais, não tem como admitir o regime privado para a prestação de serviços públicos”, observou.
O regime jurídico, por força da Lei 8.987, define os princípios do serviço público que são continuidade, modicidade, atualidade e universalidade. Afirmou que o serviço não continuaria a ser público se fosse regido por regime semiprivado ou privado. Considerando-se um Conservador, o professor entende “que sem analisarmos o fato com base nas normas, não teremos segurança jurídica. Portanto, vê com muita cautela quando surge uma lei que tenta inovar com relação ao regime jurídico na execução do serviço público.
Universal e eficiente
Fernanda Bourges, por sua vez, destaca que a titularidade dos serviços públicos é do poder público; já a execução pode ser privada, público-privada ou puramente pública. O serviço público é consagrado na Constituição Federal de forma expressa e deve estar atrelado ao acesso igualitário que garante o exercício dos direitos fundamentais. Mesmo sendo executado por particular, o importante é que o regime jurídico prestacional seja garantido. “Portanto, deve ser eficiente, universal, igual, adequado visando à qualidade. Não se pode pensar na prestação do serviço público muito tecnológico que exclua parte da população”, observou. “Podemos privatizar a execução, nunca a titularidade, que é constitucional”, pontuou.
Para a professora Bárbara Dayana Brasil, a questão tem como pano de fundo o alcance e a extensão que deve ter a ação pública. No aspecto material é uma atividade de satisfação das necessidades humanas vinculadas aos direitos fundamentais. “Mas qual é o modelo necessário para satisfação dos direitos fundamentais na realidade brasileira?”, questiona. “Numa perspectiva modesta devem ser definidos aqueles serviços que constituem a essência do Estado como é o caso da saúde, educação e assistência social. Existem necessidades que não encontram saída no mercado e que podem até ser viabilizadas formas de execução privadas, no entanto, de uma forma limitada. Não se afirmar que o público presta serviço ruim e que o privado, um serviço de excelência”, ponderou. “Acredito que este quadro exige uma estrutura de controle adequada, porque se de um lado a iniciativa privada tem maior liberdade de decisão por outro podem levar milhares de pessoas a inacessibilidade do serviço”, salientou.
Externalidades sociais
O professor Bernardo Strobel disse que o modo adequado de se prestar serviço público é o modo pelo qual a externalidades sociais que estão envolvidas na percepção do serviço público são alcançadas. “Mesmo que o particular a preste, não ocorre a mudança do regime jurídico. A capacidade do direito esbarra na complexidade da realidade. As coisas não costumam acontecer como queremos. Há serviço público submetido a um controle maior, que abre a possibilidade de ser exercido pelo mercado”, ressaltou.
Paulo Roberto Ferreira Motta salientou que o Estado nunca conseguiu a universalização dos serviços públicos, demora muito na atualização tecnológicas e ainda é um mau prestador. “Se o Brasil é um mau prestador de serviços, é um péssimo regulador”, ressaltou. De acordo com ele, as agências reguladoras atuam contra os usuários e estão muito desprotegidos; as pessoas nem perdem tempo indo reclamar nas agências procurar ajuda. Vão direto ao Procon. “Aliás, as agências reguladoras de telecomunicações são as campeãs de denúncia”, disse. Resumiu que de 1822 até hoje, 2019, o país não conseguiu universalizar nenhum serviço público. “Esta é a realidade brasileira”, sublinhou para o professor, então qual a melhor forma? “Pela situação econômica do país, vamos ter que conviver com regime híbrido público-privado, mas para isso devemos nos esforçar muito para termos uma regulação minimamente aceitável e que defenda o usuário de uma maneira mais abrangente”, ressaltou.
Internet
A segunda pergunta do painel questionou os debatedores sobre a possibilidade de qualificar a internet como serviço público. O professor Blanchet foi categórico em afirmar que Internet não é serviço público. “No futuro a Internet poderá a até vir a ser, esperamos que sim, pelas facilidades que ela oferece. Mas não basta ser importante para ser serviço público, temos que considerar a sua essencialidade. E exige-se lei que regule e disponha a internet como serviço público”, observou.
A professora Fernanda diverge da opinião de Blanchet. Ela vê essencialidade da internet e a necessidade de ser consagrada como serviço público, não toda, claro, em regime concomitante. “Considero a internet como um serviço atualizado de comunicação”. Portanto, é imprescindível que obrigações de serviços públicos sejam estabelecidas para a atividade da internet, assegurou. “Se queremos um governo mais acessível à população a internet é um ambiente que possibilita esse acesso à administração de uma forma mais fácil”. Acredito também que falta uma regulação mais efetiva da internet para universalizar a atividade.
Ambiente disruptivo
Bárbara Brasil disse que “a 4ª Revolução é um processo evolutivo que pode ser sentido em várias dimensões. As inovações tecnológicas trouxeram a ficção para a realidade. Internet das Coisas, robótica, realidade aumentada, inteligência artificial, neurotecnologia, tudo isso passa a fazer parte do cotidiano de todos”. Ao mesmo tempo em que essas novas situações trazem uma explosão de possibilidades também revelam riscos, complexidades e ambiguidades, por exemplo. “É um ambiente disruptivo que coloca profundos desafios à administração pública”, afirmou. Para ela, a concretização da democracia digital na gestão pública exige a universalidade de acesso, regulamentação, segurança, controle, preparo técnico e estrutura compatível, sem violar princípios fundamentais. “Se é certa a revolução, em um mundo cada mais sem papel, não se pode deixar à margem do debate a questão da proteção dos dados. Revoluções anteriores libertaram os humanos, sim. E essa revolução é totalmente diferente funde aspectos biológicos, físicos e tecnológicos, e é a única capaz de tornar a humanidade obsoleta em si mesma a longo prazo”, acentuou.
O que vai ser do Estado a partir da massificação da tecnologia de informação, perguntou o professor Bernardo. Para ele, o processo se tornou eletrônico, coisas estão sendo abreviadas pela tecnologia, para o bem ou para o mau. “A tecnologia permite a comunicação global, em qualquer lugar do mundo. E muitas das atividades tecnológicas não são passíveis de ser controladas pelo Estado. Mas a transformação está aí. Pessoas investem em novos modelos de captação, como blockchain (bitcoins)”, pontuou. O professor pensa que o grande desafio não é do serviço público, é do Estado. “Há grandes riscos, como a falta de liberdade e privacidade. É ruim e bom. O Estado pode tentar dominar externalidades muito negativas, mas controlar isso será muito difícil e frustrante. Se houvesse serviço público de internet, a responsabilização será do Estado, mesmo que não seja obrigado a resolver todos os problemas”, concluiu.
Contrário à ideia de a internet se tornar serviço público. “Acredito que o acesso à internet deve ser universal e responsabilidades dos administradores de expandir a atividade. Agora, a internet em si não pode ser tutelada pelo Estado, pois a censura será muito grande, com perda total da privacidade”. Segundo ele, a internet não pode sofrer censura por parte do Estado, que deve regulá-la somente naquilo que for essencialmente ilegal ou negativo demais. “A quebra do sigilo é crime, mas as consequências devem ser apuradas pelas autoridades judiciárias”.