NutriEscolha, ferramenta de classificação de alimentos do Carrefour, induz consumidor ao erro
ABIA reúne evidências para apresentar ao Judiciário, entre elas o fato de que o aplicativo sugere opções tidas como mais equilibradas que podem custar até 168% a mais
A Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA) entrou como amicus curiae no processo que o Carrefour move contra decisão da Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) que suspendeu o uso do NutriEscolha em seu aplicativo de compras. Levantamentos comprovam que diversos produtos da cesta básica, entre eles macarrão, arroz e leite, sugeridos como os mais equilibrados, custam mais, com variação que pode chegar a 168%.
Na qualidade de “amiga da corte”, a entidade pretende apresentar ao Judiciário uma série de evidências para contribuir com uma melhor reflexão sobre a legalidade, proporcionalidade e adequação da decisão que suspendeu o aplicativo.
A indústria defende que o NutriEscolha, além de ter metodologia desenvolvida à revelia da norma de rotulagem nutricional aprovada pela Anvisa após seis anos de discussão, faz classificações equivocadas sobre a qualidade nutricional de alimentos e bebidas, induzindo o consumidor a erros de interpretação, além de sugerir produtos “mais equilibrados e mais baratos” que nem sempre são mais adequados para cada perfil de consumo, ou mais baratos.
“É evidente o fato de que o NutriEscolha gera confusão para os consumidores, com prejuízos claros à sua livre e mais bem informada escolha, assim como à sua saúde e segurança alimentar. Nossa equipe testou o aplicativo em diversos produtos e percebemos que a propaganda de comer melhor pagando menos não se confirmou em várias ocasiões”, revela o presidente executivo da ABIA, João Dornellas.Pesquisa feita em 21 de julho pela ABIA dentro da funcionalidade NutriEscolha, com 11 produtos da cesta básica - arroz, pão, farinha de trigo, leite, leite em pó, sardinha, manteiga, molho de tomate, macarrão, salsicha, óleo - comprovou que todas as sugestões apontadas pelo aplicativo como mais equilibradas eram mais caras, com altas de preço variando de 5% a 168%. Isso significa que, ao seguir as recomendações do aplicativo, o consumidor não vai comer melhor pagando menos.
Comprando gato por lebre
Lançado em maio deste ano, a funcionalidade NutriEscolha tem como objetivo classificar informações nutricionais de alimentos e bebidas vendidos no Carrefour, que também fabrica mais de 2 mil produtos sob marca própria. Funciona como indicador nutricional, classificando os itens com pontuação de A a E, sendo a letra A considerada mais saudável, e a E indicando que o produto deve ser consumido com moderação.
Um dos indicativos de que o NutriEscolha pode ser uma armadilha é o fato de que produtos com características muito similares (ou até idênticas) recebem classificações absolutamente distintas. E que a classificação, tal como é feita, pode passar a impressão de que um alimento é mais ou menos saudável do que outro.
Adotando-se os critérios do NutriEscolha, um mesmo tipo de produto, a depender da presença ou ausência de determinados nutrientes, poderá ter uma classificação melhor do que outro semelhante, mesmo que ambos possuam altos teores de sódio, açúcar adicionado ou gordura saturada. Dessa forma, produtos de uma mesma categoria que tenham nutrientes igualmente críticos, terão notas diferentes, sem que isso signifique que são mais saudáveis do que outros.
Um exemplo que pode levar o consumidor ao engano: uma mostarda que contenha sementes em sua composição será classificada pelo NutriEscolha com uma nota pior do que outro produto da mesma categoria (que não tenha sementes) porque será mais calórica (a proteína da semente de mostarda aporta calorias ao produto). Essa classificação mais baixa vai levar o consumidor a entender que se trata de um produto menos saudável do que o outro, o que não é verdade.
“Isso não apenas implica em informações imprecisas e enganosas aos consumidores, mas pode direcioná-los a fazer determinadas escolhas sob pretexto de uma diferenciação, ou maior qualidade, que não corresponde à realidade, interferindo ainda na dinâmica comercial do varejo”, esclarece Dornellas.
O óleo girassol é um bom exemplo. Apesar de ser praticamente uma commodity, com características e funções semelhantes em todas as marcas, apresenta classificações variadas (com as letras C e D). Com relação a um mesmo energético, o NutriEscolha ignora que a correta avaliação das porções deve ser sempre a partir da métrica de 100g/ml de produto, classificando com a letra D a embalagem 473 ml e com a letra E a embalagem 250 ml.
O leite semidesnatado de 1 litro é outro item que confunde o consumidor. Produtos com propriedades nutritivas praticamente idênticas e diferenças irrelevantes em termos de nutrição (0,1 g de gorduras saturadas e 1,5 mg de sódio) recebem notas distintas, gerando confusão e/ou benefício a uma marca em detrimento da outra.