Advogado analisa a cegueira deliberada, usada para condenação da esposa de Eduardo Cunha
Guilherme Lucchesi destaca que é preciso conhecer as situações que têm ensejado a aplicação da cegueira deliberada. E recomenda que as empresas minimizem riscos a partir da implantação de programas de compliance
Atualmente, o Poder Judiciário tem usado com frequência a “teoria da cegueira deliberada” para condenar pessoas envolvidas em situações ilegais e até mesmo criminosas. A pena imposta à Claudia Cordeiro da Cruz, esposa do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, de 2 anos e 6 meses de reclusão em regime aberto pelo crime de evasão de divisas e lavagem de dinheiro, é um exemplo. A decisão foi proferida no último dia 18 de julho, pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A denúncia alega que ela manteve recursos fora do país em uma conta na Suíça, escondida das autoridades brasileiras, e que foram usados para pagar despesas de cartão de crédito de sua titularidade.
Claudia Cruz foi absolvida, em primeira instância, pelo juiz federal Sergio Moro, que entendeu não haver provas de que agiu dolosamente ao manter recursos clandestinamente no exterior, bem como pelo fato de a gestão financeira da família ser feita pelo marido Eduardo Cunha. Após o recurso pelo Ministério Público Federal, o TRF-4 reverteu a decisão, condenando Claudia Cruz pelo crime de evasão de divisas.
O relator desembargador Federal João Pedro Gebran Neto fez uso da "teoria da cegueira deliberada" para reconhecer que Claudia Cruz, por ter assinado os documentos de abertura da conta e por não controlar a sua própria declaração do imposto de renda, assumiu o risco de que a conta fosse aberta e nunca declarada. Segundo seu voto, quem tem condições de aprofundar seu conhecimento acerca da natureza de suas atividades, mas deliberadamente escolhe permanecer ignorante a respeito de todos os fatos envolvidos, age com dolo eventual.
Para o advogado criminalista Guilherme Brenner Lucchesi, a cegueira deliberada tem sido usada frequentemente para a condenação de pessoas que alegam não ler os documentos que assinam. Ele observa que nos últimos 5 anos, ocorreram inúmeros casos, especialmente na 4ª Região da Justiça Federal, que aplicaram cegueira deliberada para condenar pessoas que dizem não conhecer todas as circunstâncias do crime. “Isso se aplica a diretores e autoridades que assinam vários documentos sem os ler integralmente, por exemplo, ou cujos subordinados praticam crimes, aproveitando-se de falhas de supervisão”, assinala.
Crítico da importação da cegueira deliberada ao Brasil, Lucchesi assegura que é muito importante saber como os tribunais julgam. “Se a cegueira deliberada tem sido utilizada para a condenação, é preciso que as pessoas estejam atentas aos riscos a que estão expostos”, ressalta. O advogado, integrante da banca de profissionais do LXP Advogados, ainda destaca que é preciso conhecer as situações que têm ensejado a aplicação da cegueira deliberada. E recomenda que as empresas minimizem riscos a partir da implantação de programas de compliance.
Sobre Guilherme Brenner Lucchesi - advogado criminalista, doutor em Direito pelo Programa de Pós-graduação em Direito da UFPR. Master of Laws (L1n1alterar123L.M.) pela Cornell Law School. Professor de Direito Penal do Unicuritiba. Coordenador adjunto da Pós-Graduação EAD em Direito Penal e Direito Processual Penal da ABDConst. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico (2018-2020). Diretor da Revista do Instituto dos Advogados do Brasil (2017-2019). Membro do New York State Bar (habilitação para advogar no Estado de Nova York - EUA).