Geni, A Bocuda.
Quem um dia frequentou a Rua XV de Novembro lá pelos idos de mil novecentos e setenta deve ter conhecido a “Gilda” ou o “Esmaga”, o primeiro um travesti roto que azedava a vida dos transeuntes; e o segundo um debochado e irreverente coitado que fazia tudo que os outros pediam que fizesse mediante pronto pagamento.
Eram figuras folclóricas alimentadas pelos habitués da “Boca Maldita”. Suas “artes” e críticas desbocadas contra políticos e pessoas da sociedade serviam de molho para alegrar e divertir os que por ali gostavam de ficar parado, contando fofocas e fazendo hora para usufruir da ociosidade. E eles não perdoavam ninguém e as figuras públicas eram suas principais vítimas. Nem o período militar arrefeceu o ímpeto e a ousadia dos dois personagens que fizeram parte da Curitiba do século XX.
Eles vivem na memória de alguns poucos. Mudaram os tempos com o passar dos anos e a modernidade deu um toque de classe na nossa cidade que passou a conviver com a agitação de uma metrópole com mais edifícios, gentes e automóveis.
Confesso que nem de longe passo pela Boca Maldita, pois o centro da cidade não é mais atração; pela Rua das Flores caminham sós aqueles que necessitam para chegar a algum lugar.
E nem sei se os seus atuais frequentadores têm os mesmos hábitos de ontem, com o jogo de palitos de fósforo para o perdedor pagar o cafezinho, falar mal do governador e deputados e lançar de vez em quando um olhar furtivo para as mulheres que por ali passavam.
Talvez conversem mais sobre jogos eletrônicos, as cotações do dólar e façam comentários mais argutos sobre a corrupção nossa de cada dia. Nem as piadas mais são novidades, pois todas elas estão esparramadas como batatinhas nas telas dos celulares. Enfim, com certeza a conversa e os tipos de rua não são iguais aos de ontem. Salvo grosseiro equívoco. Nem eu sou o mesmo por sentir o peso da idade.
É claro que ainda existem tipos curiosos e não tão conhecidos. Por acaso lembrei-me de um. Como sabido detesto caminhar para fazer exercício, mas de vez em quando desço do prédio onde moro e ouso andar no Parque Barigui. Vou como se tivesse a obrigação de fazer exame de sangue, contrariado e sem animo. Mas vou. Ontem tive uma fraqueza súbita e fui caminhar no Parque.
E nos primeiros metros da pista para pedestres, depois de desviar de pelo menos três “cachorrentos” levando pela coleira os seus “donos”, deparei com a Geni, uma morena obesa, bocuda que só ela, que conheci por acaso em uma festa no “Pequeno Cotolengo”:
- Oi, gente boa. Como vai?
- Tudo bem e você?
- Preocupada - respondeu olhando para os lados.
- Ué, aconteceu alguma coisa?
- Muita. Você não sabe que o Toffoli vai processar quem falar mal do STF?
Pois é, sabe como sou, gosto de descer o pau naquela turma sem dó e nem piedade.E O Gilmar é o meu alvo preferido...
- Mas você tem inventado ou falado alguma mentira contra eles?
- Claro que não! Quando abro minha boca eu só digo a verdade, nada mais!!
Mas depois da intenção do Toffoli estou de boca fechada.
- Ora, não se preocupe ele fez um estardalhaço na TV só para intimidar os incautos, pois a medida ditada não tem consistência jurídica nenhuma. - respondi.
- Verdade? Por quê? - insistiu a Geni querendo saber detalhes.
- Simplesmente porque se eles do STF se acham vítimas tecnicamente estão “suspeitos” para processar e julgar os casos concretos.
- Mesmo?
- Mesmo!
- Então eu posso falar que o Morais não vai abrir um processo contra mim ?
- Pode...
- $&@&$ (censurado) e eu perdi um tempo precioso sem falar desses “cascudos” com medo de ser processada!
- É criticar com fundo de verdade pode; não pode criar ilação ou mentir .
- Ah, não sou mentirosa, sou bocuda sim, meto a boca no trombone quando vejo alguma coisa errada, mas não crio mentiras. Tudo o que falo do STF está nas notícias dos jornais, rádio e TV.
- Então não perca tempo Geni, não se segure para não enfartar; não perdoe os Ministros...
- Deixe comigo, “seo” doutor, vou à próxima passeata con o megafone na mão para gritar contra a soberba e desfaçatez de alguma “capa preta”. Já não tenho mais medo...
- E você tinha medo do que? De ser processada e presa?
- Não, eu tinha medo que o Lewandowski mandasse o Morais “jogar pedra na Geni” e outras coisas mais...
“A medida do Toffoli para intimidar os brasileiros de não criticar os Ministros do STF e seus familiares, é uma excrescência jurídica. Ela mostra a falta de técnica e total desconhecimento de regras primárias da Lei Processual Penal. Retrato de uma Corte Judiciária sem luz e nem sem crédito!”