Edson Vidal

Festival de Cheiros.

Dia do trabalho. Fico pensando se quem trabalha em  loja que só vende chocolate têm vontade de comer ou ganhar de presente qualquer um deles, depois de ficarem horas a fio em um ambiente comercial sentindo o cheiro adocicado do cacau industrializado.

Digo isto porque no escritório de meu apartamento minha mulher guardou três pequenos pacotes do produto cujo odor contaminou o ambiente, que eu não consigo suportar e muito menos comer.

E digo sem mentir que eu gosto de chocolate e só implico com o cheiro quando ele fica guardado; é enjoativo e muito forte. Acho que o mesmo ocorre com quem trabalha em perfumaria e fica o dia todo sentindo os mais variados aromas dos produtos expostos  à venda, pois também deve enjoar. E o mesmo acontece com o cheiro da carne de churrasco que entra pelo nariz e a gente fica com água na boca.

Mas se a churrascaria fica ao lado de casa, duvido que seja convidativo e agradável conviver diariamente com o cheiro da carne temperada com alho e cebola. Acho que dá para pagar os pecados. E assim acontece com o cheiro de qualquer coisa que a pessoa seja obrigada a suportar por obrigação. No entanto dizem que tudo é questão de costume, pois com o passar do tempo o olfato absorve o cheiro e o cérebro ajuda a se adaptar a ele.

E parece que procede esta afirmação. Lembro quando eu era Promotor de Justiça de Faxinal e estava na iminência de ser promovido para a entrância intermediária e tive a opção de optar por uma das três comarcas: Ponta Grossa, Telêmaco Borba e Umuarama. Lembro que fui conhecer Telêmaco Borba, por ser a cidade mais próxima de onde morava e porque diziam que a residência oficial do Promotor era deslumbrante.

Eu e minha mulher percorremos a cidade e acabei desistindo de morar na mesma pelo cheiro insuportável do ar, parecia matéria em decomposição. Era proveniente do uso da celulose da fábrica de papel Klabin. Acabei sendo promovido para a Comarca de Umuarama.

E como a vida dá voltas, anos depois como Promotor de Curitiba aceitei o convite do então Corregedor Geral do Ministério Público Dr. Carlos Augusto Hoffman, para ser o seu Promotor Adjunto. E por força do ofício tínhamos que realizar correições nas Promotorias das comarcas da Capital e também do interior do estado.

E dentre elas fomos à Congonhinhas, cidade localizada próxima de Telêmaco Borba e quando chegamos era no final da tarde, fria e chuvosa. O Juiz era o Dr. Arno Knorr e a Promotora a Dra. Laís Rosa Lorusso Antonini, que nos acolheu em sua casa onde tomamos uma sopa de legumes inesquecível.

O lugar era pequeno, de gente humilde e de poucos recursos. Ela contou que no final de semana ficava hospedada no Hotel  Ikapê, em Telêmaco Borba. Foi quando eu perguntei se ela suportava o cheiro nauseabundo daquela cidade e ela respondeu que não sentia cheiro algum, pois tinha acostumado. Foi assim que me convenci que as pessoas são adaptáveis ao meio onde residem e que o melhor local para viver é aonde nos sentimos felizes.

Foi daí que eu olhei as três caixas de chocolate do meu escritório aspiraram profundamente e senti náuseas. Acho que não convivi  o tempo suficiente com elas para não ligar o cheiro enjoativo.

Peguei as mesmas e guardei egoisticamente em um lugar bem escondido. Pois quando voltar à vontade de comer chocolate eu sei muito bem onde é o esconderijo...

“Se o homem não fosse adaptável ao meio onde vive ou trabalha, o mundo teria lugares inabitáveis. Pois faltaria desbravadores e o próprio progresso. É  da tempera dos seres humanos suportar desafios e adversidades!”
Edson Vidal Pinto

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