Edson Vidal

Tudo Acontece No Presídio.

Diz o ditado: “cabeça vazia, laboratório do diabo”. Quem já ouviu falar do Sistema Penitenciário sabe que é o complexo que agrega as penitenciárias de um estado da federação -, e que nelas também estão implantados presos condenados em regime fechado para cumprirem suas penas.

A Lei de Execução Penal dita regras para a ressocialização dos encarcerados. Porém as condições físicas dos prédios e a falta de espaço não permite a execução do trabalho como forma de ocupação e meio de aprendizado; ademais os governantes quase sempre ignoram a Lei e não suprem a área com verbas públicas que possam reverter o atual estado de precariedade.

No dia a dia o preso sem trabalho e que não queira estudar nas salas de aulas do presídio fica na ociosidade. Daí a aplicação na prática do referido ditado. Quando fui Secretário de Estado da Justiça tive a responsabilidade de gerir a administração do Sistema Penitenciário do Paraná -, ou seja, enfrentava todas as dificuldades em uma época que pipocavam rebeliões nos presídios de todo o país. 

Certa manhã de um inverno rigoroso o então Coordenador do Sistema Dr. Cezinando Paredes, telefonou para a Secretaria pedindo que eu comparecesse na Penitenciária Central do Estado em Piraquara porque ele queria mostrar uma situação inusitada. E eu fui.

E quando lá cheguei ele me pediu para percorrer as galerias e subir no sótão do velho prédio onde estão três caixas d’água. E daí o Dr. Cezinando mostrou a “arte” dos presos: em duas delas eles tinham “instalados” dois “rabos-quentes” elétricos, tamanhos gigantes, para esquentar a água dos chuveiros! Era a criatividade das “cabeças vazias”. 

Preso ocioso inventa qualquer coisa: basta estar preso; mesmo quando as visitam rareiam. Exemplo? Vamos e ele.
Trim. Trim. Trim. 
- Alo?
- Companheira, aqui é do Banco Bamerindus e a senhora ganhou um prêmio em dinheiro de um milhão!
- Da onde estão falando?
- Companheira, da Diretoria do Banco Bamerindus...
- Mas o Bamerindus ainda existe?
- Claro e a senhora Companheira é nossa feliz correntista!
- Mesmo? Nem eu sabia!
- Mas é o seu nome não é Araci?
- Não, me chamo Eva da Silva..
- Ah, exatamente Companheira é esse nome mesmo ...
- E a Araci?
- Esqueça, Araci é o nome da mulher que não ganhou o prêmio.
- O prêmio é de um milhão de reais?
- Isto mesmo, Parabéns!
- Quando eu vou receber?
- Calma companheira, para o pagamento do prêmio tem uma pequena exigência a ser cumprida...
- Hum, não é golpe, não?
- Claro que não.
- Tenho que pagar alguma despesa ou efetuar algum depósito em dinheiro?
- Nadinha.
- Qual é a exigência, senhor?
- A companheira tem que comprar seis garrafas da “Caninha 51” - daquelas bem purinha - acondicionar muito bem para não quebrar e para mostrar a seriedade do concurso entregar na portaria da Superintendência da Polícia Federal...
- Na Santa Cândida?
- Exato, companheira.
- Em nome do Bamerindus?
- Não, não: pode colocar um bilhete com os seguintes dizeres: “Para o Santo Inocente do 3o. Andar”.
- E daí vou receber o prêmio?
- Exatamente!
- Puxa, vou ficar rica! Obrigada, vou providenciar agora mesmo?
- E não esqueça de poupar no Bamerindus!
- O senhor é um Anjo!
- Menos companheira, menos, sou apenas um condenado sem prova, nada mais.
- Obrigada!
- De nada! E não se esqueça de cumprir sua parte com urgência: tchau!

Este é apenas um de dezenas de golpes que os prisioneiros aplicam através do telefone; também tem aquele do sequestro, do cartão de crédito etc, etc e etc. Não esquecendo que todo o golpe dado depende muito da “ganância” de cada autor. Na cena da “Caninha 51” é o típico exemplo de preso na fase mais aguda da abstenção alcoólica...

“A cabeça vazia leva o ser humano a fazer loucuras. Para evitar este mal vale até fazer Palavras Cruzadas para quem tem brotoejas quando lê uma só página de livro. E o indivíduo preso com telefone celular disponível é um prato cheio para bons golpes, porque não faltam boas vítimas. E preso com celular só em um país sem autoridades!”
Edson Vidal Pinto

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