A carta
Tenho um escritório montado em meu apartamento com estante de livros, uma máquina de datilografia, uma poltrona onde me acomodo para digitar minhas crônicas, algumas fotos especiais, dentre elas, com: o Dr. Sobral Pinto; Dr. Moacyr Vitti; assessores do meu gabinete da desembargadoria; colegas do Tribunal de Alçada e do Tribunal de Justiça.
E na parede estão alguns quadros contendo documentos de minha longa trajetória pública de quase sessenta anos de serviços prestados ao Estado do Paraná. E nos armários e gavetas tem de tudo um pouco, que nem eu mesmo sei o quê. E não há de ver que nesta manhã precisei de uma caixinha de clips e abri uma das gavetas da escrivaninha, remexi alguns objetos com os dedos e encontrei, pasme: quatro folhas amareladas de papéis de carta!
Meu Deus, foi uma descoberta incrível neste mundo perturbado pelo coronavírus, peguei aqueles papéis com as mãos como se tivesse achado uma preciosidade inimaginável, talvez com igual sensação que teve o arqueólogo britânico quando pela primeira vez adentrou na Pirâmide da tumba de Ramsés III, o grande Faraó do Egito, e deparou com um papiro sobre o sarcófago.
Sim, papeis de carta, com linhas para escrever com a caneta a fim de não perder a direção como ocorre quando a folha não é pautada; e sem receio de ser feliz coloquei as mesmas com cuidado sobre o tampo da escrivaninha. E logo minha imaginação criativa ligou uma luz e me fez pensar: será que os adolescentes de hoje saberiam escrever uma carta? Sei que sabem muito bem digitar o computador e as teclas do telefone celular com uma rapidez incrível, mas e escrever uma carta?
Curioso perguntei para a empregada de casa se ela tinha visto papel para escrever cartas:
- Cartas? O senhor quer dizer correspondência que vem num envelope para cobrar contas?
- Não, Mariza. Carta uma pessoa escreve para outra contando alguma novidade, aborda algum assunto de interesse comum entre elas.
- ?
- Uma pessoa apaixonada escreve para o outro demonstrando seu sentimento ...
- E por que o cara não usa celular? Ou vai na casa do outro?
Achei melhor não insistir porque com certeza ela não iria compreender nada e muito menos dar importância aos papéis que eu havia “descoberto”. Voltei ao escritório e continuei pensando. Será que minhas netas já escreveram uma carta e remeteram a mesma pelo correio até chegar ao destinatário?
Lembrei que quando elas eram pequenas e estudavam na “Umbrela”, a professora fez com que os alunos escrevessem cartas e remetessem aos parentes, e minha mulher e eu recebemos algumas e tivemos que responder. Mas com certeza elas não escreveram mais nenhuma e apesar de adolescentes não sei se saberiam onde postar uma carta. Pois nem eu lembro muito bem. Só sei que no envelope vai selo mas não sei quanto custa a remessa de uma carta pelo correio.
Fiquei olhando fixamente para as folhas pautadas e fiquei pensando mais um pouco. Caramba, será que tem alguém que ainda escreve cartas? Não! Correspondência comercial não vale, porque não é carta! Eu me refiro a carta escrita com caneta que depois de duas laudas vai dentro do envelope, na sua parte frontal o nome do destinatário, nome da rua, número e CEP, e na parte detrás o nome do remetente.
Confesso que depois das cartas de minhas netas quando elas estavam no curso primário, nunca mais recebi uma única carta. Conclusão lógica? A modernidade e a tecnologia sepultaram a carta num mausoléu qualquer. E o que fazer com as folhas pautadas que estão sobre minha escrivaninha? E para não pensar mais, peguei a primeira folha e lembrando da arte da dobradura fiz um barquinho; com a segunda folha fiz um balão junino; a terceira eu fiz um pássaro que mexe as asas; e por último um avião foguete que arremessei e caiu bem dentro da lixeira do meu escritório... “Pensando descobri que a carta, escrita, assinada, envelopada e postada no Correio, já não existe mais. O mundo moderno deixou para a posteridade as cartas escritas ontem. Nem os enamorados escrevem linhas apaixonadas e seus sonhos de um futuro a dois. Preferem sentar no mesmo banco e dizer tudo através de mensagens telegráficas pelo celular. Parece até outro tipo de amor”.
Edson Vidal Pinto