Edson Vidal

Cansado do ócio

Nos longos e infindáveis dias de retiro no sacrossanto mosteiro do meu lar já fiz tudo o que era possível fazer, pois até excursionei das poltronas às cadeiras passando por tapetes e pano de chão, só não me atrevi a entrar na cozinha porque para mim é um território proibido. Um tabu. Dentro dela sou um peixe fora d’água. Devo minha total incompetência no trato culinário por culpa de minha exclusiva falta de aptidão. 

Não sei mais nem fazer ovo no espeto que era minha especialidade, tamanha minha ojeriza pelo fogão. Tenho raiva quando assisto na TV àqueles homens fortes, sadios e aptos para o trabalho braçal brincando com as panelas, temperos, carnes e verduras sem se importarem com o coronavírus e o tédio de viver em reclusão. E o pior é que ainda ganham dinheiro para fazer o que fazem. Se tenho inveja? Não vou dizer que não, afinal quem como eu não tem, não é mesmo?

Mas a cozinha não é meu território e teimo em não colocar meu pé dentro dela nem nesta fase de indigesta reclusão. Assim excluindo essa parte do apartamento, quanto ao mais já percorri todos os cantos, gavetas, armários de guloseimas e caixas de remédios. Arre, não pensei que tinha mais estoque de medicamentos em casa do que postinho do SUS. Pudera: se cada médico especialista responsável por uma parte do meu organismo receita meia dúzia de fármacos de uso contínuo e como consulto com cinco deles periodicamente, chego ao exagero de ter colacionado trinta caixas de pura droga, sem contar os de minha mulher que são diferentes. 

Acho um exagerado absurdo. Mas reclamar para quem, não é mesmo? Despesa obrigatória e que o Imposto de Renda não dá as mínimas. Eu nunca soube de nenhum laboratório fabricante de remédios que tenha falido, muito pelo contrário. Nessa fase de não poder sair de casa para me distrair cheguei ao absurdo de usar elástico de dinheiro esticado em uma régua escolar e arremessar contra as caixas de medicamentos que serviam de alvo. 

E quando acertava em qualquer uma delas e derrubava era como se estivesse matando um coronavírus. Ah, se esta quarentena não terminar logo estou pensando em esticar uma corda da varanda do meu apartamento até a varanda do prédio vizinho, do outro lado da rua, para aprender a me equilibrar e passar de pé sobre o vão da rua. Só está faltando coragem de sair do casulo para comprar a dita cuja corda e pedir autorização para meu desconhecido vizinho. Tudo isto que estou escrevendo é pelo estresse do confinamento. Meu Deus, só espero que venha logo um bom feriado para que eu possa sair da monotonia e descansar tranquilo ...

“Na quarentena do coronavírus cada um mata o tempo como pode. Uns jogam paciência, outros caçam moscas, tem àqueles que coçam o pelo do cachorro, os mais sofisticados cozinham e os criativos só pensam futilidades. O ócio exagerado é mais amargo que fel. Mas um prato cheio para quem escreve diariamente.”

Edson Vidal Pinto

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