Edson Vidal

João e Maria

Olhei apenas de soslaio no espelho do quarto e me assustei pensando que algum estranho estivesse me olhando de cara feia. Fixei os olhos e daí me dei conta que era minha imagem refletida, ri para não chorar. Não sei porquê mas de imediato lembrei da história infantil do “João e Maria”, você lembra? Era mais ou menos assim: eles eram irmãos e viviam com a mãe em uma casa, sabiam que não podiam brincar em uma floresta das proximidades, porque nela vivia uma Bruxa que aprisionava crianças para vendê-las numa feira para adoção. Um dia João e Maria desobedeceram às ordens da mãe e entraram na floresta quando então caíram na armadilha preparada pela Bruxa. 

Foram conduzidas para o interior de uma caverna e aprisionadas dentro de uma gaiola. Nesta permaneceram para engordar a fim de serem vendidas por um bom preço porque o valor da venda era proporcional ao peso de cada criança. Quanto mais gordo o “produto” mais a Bruxa teria lucro. Daí a Bruxa passou a servir deliciosas refeições e saborosas sobremesas. Sem conhecerem o porquê de serem bem tratados os irmãos “raspavam” os pratos. E assim com o passar dos dias João e Maria começaram a engordar. 

Todos os dias a Bruxa pedia às crianças para mostrar o dedo médio da mão direita para ver se cabia em um anel com um diâmetro bem largo, pois quando o dedo entrasse apertado era sinal de que a “mercadoria” estava pronta para ser vendida. Mas ainda não tinha chegado o momento. Um dia Maria viu um ratinho com o rabo preso em uma ratoeira e resolveu soltá-lo. Ele na verdade era uma fada no corpo de um animalzinho muito dócil e frágil; por isso, agradecida, contou aos irmãos que não podiam engordar, para não serem vendidos. 

Explicou ainda a história do anel e deu para cada criança o osso mais fino retirado da perna de uma galinha. Daí, João e Maria para enganarem a Bruxa, quando ela pedia para ver o dedo, mostravam o osso para ludibriar a mulher má. E assim deram tempo ao tempo quando um grupo de caçadores, que entraram na floresta em busca das crianças, localizaram a caverna, mataram a Bruxa e entregaram João e Maria para a mãe aflita. E os irmãos prometeram nunca mais desobedecer aos mais velhos. 

Sei que a história está meio raquítica por não ser bem a verdadeira, mas é suficiente para a introdução desta crônica. Por quê? Porque com a medonha reclusão social para fugir do maldito vírus da mamona assassina: engordei! O susto que levei quando olhei meu único rosto no espelho foi porque estou com as bochechas caídas, como certa raça de cachorro, só está faltando babar no tapete, poltronas, no chão e nos lugares onde caminho dentro do apartamento. As pálpebras sobre meus olhos estão caídas como cortina de madeira velha, as folhas laminadas estão penduradas sem nenhuma simetria. O meu queixo partido alisou como pista de gelo de patinação. 

Estou um Yeti. Movido por uma estranha força invisível olhei o meu perfil e minha barriga está quase igual à do velhinho do natal. Putz, logo pensei nas calças dos meus ternos, com certeza não entrarei em nenhuma delas; mas se entrar os meus paletós não poderão ser abotoados. E tudo por quê? Porque estou entalado dentro de casa como o João da historinha: comendo, comendo, comendo e nem um mísero ratinho que pudesse me dizer para não comer. 

E como vou sair pela porta da frente (ou dos fundos) do apartamento quando acabar a quarentena? Com certeza pela varanda, descendo degrau por degrau da escada “Magirus” do caminhão de bombeiros, para chegar na rua. Nem meu carro vai me reconhecer! Daí sim vou voltar no dia seguinte para a senzala (a academia do coração do hospital do meu amigo Costantini) com a maior cara de pau, para fingir que vou fazer ginástica (palavra que odeio), fechar a boca e perder um pouco minha tenebrosa pança. Claro, antes de tudo, vou contratar bons escritórios de advocacia e processar por danos morais todos os chineses do planeta pelo abalo que causaram no meu psique, pela minha reclusão, por estragar a notória estética de meu corpo e por ter sido obrigado a me afastar do convívio de familiares e amigos que tanto amo...

“Sou um daqueles rotulados como “espécie sujeita a extinção” se contrair o famigerado coronavírus. Estou recluso socialmente. Via de consequência estou inchado para não dizer gordo. Depois que terminar a quarentena vou declarar guerra contra a China. Não comprarei mais nem um dedal na “Casa China”. Só se minha mulher mandar!”

Edson Vidal Pinto

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