A Caixa de Pandora
Sem dúvida que alguém abriu a Caixa de Pandora em nosso país e desde então tudo que é de pior acontece diariamente. A começar com as pessoas; alguém pode imaginar de sã consciência que em uma conversa entre amigos um deles possa estar gravando sem o outro saber? Ficou corriqueiro entre os homens públicos essa prática tão baixa. E para efeitos legais não serve como prova, mas é suficiente para destruir reputações.
A tecnologia proporciona todos os tipos de geringonças para invadir a privacidade alheia, inclusive com filmagens. Tudo contrariando norma constitucional. Mas e daí? Para que vale a Constituição? Deixando tudo às claras a inviolabilidade e a privacidade só prevalecem mesmo no caso do chamado “segredo profissional”; fora disso tudo está às escâncaras. Nem as declarações do Imposto de Renda são agasalhadas pela privacidade , tanto assim, que para nós Magistrados o Conselho Nacional de Justiça em um largo período de tempo exigia (não sei se ainda exige para os que estão na ativa) que cada um encaminhasse anualmente àquele esdrúxulo órgão a cópia do referido documento fiscal.
E sabe Deus quem aferia eventual “enriquecimento sem causa”? Sigilo: zero! Contudo, quando se trata de “segredo profissional” a blindagem é total, até mesmo para impedir identificar mandante de crime. É o caso do “louco” Adélio Bispo que tentou contra a vida do então candidato Bolsonaro em plena luz do dia sendo preso em flagrante, e na delegacia teve à sua disposição advogados criminalistas de renome. E esses advogados não atuaram por amor a “causa” e muito menos pela cor dos olhos do marginal.
Eles foram “contratados” para defender o executor da tentativa de homicídio. Mas quem os contratou? Todo mundo sabe por ser verdade sabida, só a Justiça brasileira é que finge ignorar. Pois a investigação da polícia judiciária foi obstada porque os advogados se negaram a dizer quem os contratou e invocaram “segredo profissional”. Ora, bolas é claro que não é, pois não existe justificativa alguma para deixar de violar o tal segredo quando este se presta abstratamente para esconder o autor intelectual de crime. Circunstância plausível para afastar referido sigilo.
Porém a jurisprudência não tem este entendimento, logo aquele que engendrou o delito ficou incólume, escondido e com largo sorriso de escárnio. E com certeza os honorários foram pagos no “cash” em moeda nacional ou estrangeira sem deixar rastro algum de sua origem e trajetória, tudo nas barbas da respeitosa Receita Federal. E se o crime tivesse sido consumado a autoria do delito ficaria encoberta e tudo não passaria de um mistério que acabaria em simples enredo de livros, filmes e novelas. Tal como aconteceu com a morte do presidente Robert Kennedy.
Mas se um o pobre e desconhecido assalariado brasileiro erra na sua declaração de Imposto de Renda é tratado pelo fisco como inimigo público número um do Estado. Quanta hipocrisia que necessita ser defenestrada da sociedade para permitir que a verdade venha a tona e para afastar de vez o ranço da impunidade. Sem mudar os entendimentos da jurisprudência e flexibilizar certos “segredos” de advogados, médicos, jornalistas e de outras profissões, que possam se prestar as vezes para “esconder” elucidações de crimes, os culpados nunca serão alcançados pela lei.
Eis aí um ponto que bem poderia servir para um debate amplo, não só nos Tribunais, como também nas entidades de classes, universidades, congressos e simpósios por se tratar de tema importante para a área do Direito Penal. Assegurar sigilo em fonte de informação é o mesmo que querer esconder a própria perfídia ...
“Tirar a venda dos olhos para enxergar a verdade é essencial na sociedade brasileira. Não há como. Justificar a impunidade daqueles que transgridem a lei. O “segredo profissional” não pode ser absoluto e irracional. Não quando atrás dele está escondido o executor ou o autor intelectual de crime.”
Edson Vidal Pinto