Livro de Bolso
No último mês de janeiro em Guaratuba minha mulher ganhou de presente de nossa sobrinha Patrícia que mora em São Paulo, um livro de bolso que ela tinha lido e recomendava a leitura. É hábito na família que os livros passem de mãos em mãos. E quando chegou parar eu ler coloquei o mesmo na biblioteca do escritório e acabei esquecendo.
Foi na última segunda-feira que me sentei na minha cadeira predileta do escritório quando olhei para os livros e me deparei com o referido opúsculo. Na capa uma mulher negra olhando para frente com ar altivo, tendo ao fundo o céu com nuvens escuras de chuva e uma águia voando livremente; tendo por título “Sobrevivi Para Contar”. Trata-se de um depoimento escrito por Immaculée Ilibagiza ( Editora Objetiva Ltda) em que a autora conta a sua própria história vivida na sangrenta revolução étnica ocorrida no pequeno país denominado Roanda, na área Central do Continente Africano. Com uma narrativa gostosa de ler Imaculée inicia contando sua vida na cidade de Mataba com seus pais, professores do ensino fundamental, e seus três irmãos homens em uma família tipicamente católica.
O país foi povoado por três tribos: uma maioria “hútu”, uma minoria “tútsi” e um número insignificante de “twas”, pigmeus que vivem nas florestas. O país foi colonizado por alemães e depois pelos belgas, sendo que estes últimos instituíram uma monarquia com estrutura social tendo por base a raça dos indivíduos, com reis tútsis e com toda a sua gente recebendo educação aprimorada e com melhores condições de vida para dar em contrapartida mais lucro aos colonizadores. Em 1.959 quando os tútsis quiseram mais poder os belgas tramaram a revolta dos hútus que derrubaram a monarquia, mataram mais de cem mil tútsis e tomaram o poder.
Em 1.962 quando os belgas deixaram Ruanda o governo hútu estava consolidado, e os tútsis relegados a cidadãos de segunda classe. Daí a rivalidade étnica passou a vigir cada dia mais acentuada a ponto de se tornar em ódio mortal entre as duas principais tribos. E não havia como um membro de uma etnia querer enganar a outra porque os portes físicos eram distintos: os tútsis bem mais altos que os hútus e os tewas eram pigmeus. E depois destas explicações sem adentrar em maiores detalhes na história do país a autora então narra como viveu durante a sanguinária revolução.
E vale muito ler como foi viver e enfrentar as situações de riscos e ódios que ela suportou por ter fé inquebrantável em Deus. Em cada linha do livro o leitor será transportado para o pobre e sofrido país e viverá as emoções de sua gente, suas decepções, sonhos e desencontros como se a morte estivesse sempre ao lado.
Tal a emoção da linguagem em um episódio que mais uma vez trouxe descrédito à raça humana, porque acontecido há poucas décadas atrás e sem que os seres humanos se dessem conta das barbáries cometidas. E daí a pergunta que não quer calar: para quê serve a ONU mesmo? Criada justamente para aparar as arestas entre os povos, colocar fim nas guerras, revoluções e governos ditatoriais desumanos se tornou nos últimos anos em uma organização política-ideológica, uma sinecura com milhares de empregos e sem a finalidade pela qual foi constituída entre as Nações: a de mantenedora da paz em todo o mundo.
O que aconteceu em Roanda e que está acontecendo na Síria, no Afeganistão e outros países em luta é prova cabal de que a ONU perdeu sua importância na história contemporânea. E quanto ao livro? É uma leitura que vale a pena ler linha por linha ...
“A Segunda Guerra Mundial que o jornalista David Nassar (de “O Cruzeiro”) definiu como sendo “a última das guerras românticas”; ainda continua espargido os reflexos de sua violência e atrocidades pelos quatro cantos do mundo. De 1.945 para cá quantas revoluções genocidas e guerras foram ou estão sendo travadas por homens embrutecidos e insaciáveis. E a ideologia tem servido para desorganizar sociedades, dividir classes sociais e destilar o veneno do ódio. E a juventude sem enxergar.”
Edson Vidal Pinto