Edson Vidal

O Gato de Botas e Por Quê Eu Sem?

Eu sei que devo ter sido para o meu cunhado quando ele namorava minha irmã uma mala sem alça. Eu tinha motivos para isto porque a diferença de idade com minha irmã é de sete anos; quando ela estava com catorze anos eu tinha sete, portanto, ela me levava para a escola, me acarinhava e me protegia. De repente surge do nada um estudante de medicina que se tornou centro da família, mas comigo não violão. Foi um tempo que os namorados para darem um passeio tinham que ter uma “vela” para atrapalhar, esta “vela” sou eu. E não saia barato, não. Quando minha saudosa mãe dizia que eu tinha de acompanhar o casal o forrobodó estava feito, pois eu me recusava acintosamente, mas acabava concordando. 

Nestas ocasiões o pretendente comprava quase tudo que eu queria, pipoca, sorvete e gibi. Era minha vingança por desviar de mim a atenção de minha querida irmã. Sabotei o namoro usando toda minha criatividade, mas não consegui. Aconteceu o noivado. Daí aconteceu o melhor: o noivo foi visitar os pais que moravam em Arapongas e para agradar minha irmã me levou junto.

Claro que fiquei animado pois iriamos viajar de avião, fiquei sem dormir esperando a hora de embarcar. Minha primeira viagem aérea e na companhia do noivo de minha irmã. Saímos do aeroporto Afonso Pena num voo da Cruzeiro do Sul e mal sentei na poltrona da aeronave uma aeromoça veio com um cesto de guloseimas oferecendo aos passageiros : Sonho de Valsa, balas, bolachas, Mentex, maçã, dropes e eu fui me servindo a vontade; em outro cesto, um pouco menor, ela oferecia aos adultos carteiras com meia dúzia de cigarros de todas as marcas e pacotes  de lenço refrescante e perfumado. 

E uma outra ofertava edições dos jornais do dia. Fiquei estupefato com tudo que estava acontecendo com o avião ainda no solo. Mas eu queria mesmo era sentir a sensação de estar “voando” e enxergar pela janela as nuvens e a “terra”. Enquanto eu estava aproveitando todos os momentos o DC-3, começou a se mover e minutos depois levantou voo. A aventura estava começando. Saímos de Curitiba e a primeira escala foi em Ponta Grossa, a outra foi em Apucarana e daí o avião chegou em Arapongas onde aterrissou em um aeroporto cuja pista era de terra batida. 

Quando a aeromoça abriu a porta uma nuvem de pó de cor vermelha invadiu o interior da aeronave acompanhada do bafo de ar quente. Foi o cartão de visitas da cidade. Daquele momento em diante tudo era novidade e eu queria aproveitar o máximo para poder contar na escola. O pai de meu futuro cunhado, italiano genuíno, era proprietário de uma Máquina de Arroz, local onde o cereal era beneficiado através de um processo que descascava classificava e ensacava o produto para venda ao atacado. 

O arroz era transportado por centenas de pequenas carroças que percorriam toda a cidade até os locais similares, inclusive levando café que era a principal riqueza do Paraná. No pátio da empresa sempre estacionavam dez a vinte carroças, cujos proprietários esperavam até “aparecer” pedidos para novos carretos. Tanto os pais, meu futuro cunhado e seu irmão também adulto faziam de tudo para me agradar a fim de conquistarem minha família.

Na frente da moradia da casa em que estava hospedado tinha o bar do “seo” Paulo onde eu estava autorizado a me servir do que quisesse, foi meu ponto preferido para tomar “Grapette” e comer deliciosas fatias de bolo feitos com esmero pela esposa do proprietário. Eu me sentia o rei da paróquia.

Até que um dia choveu. As ruas ficaram de lama vermelha por todos os lados, menos no miolo da cidade que era asfaltado. Na “fábrica” de arroz os carroceiros chegavam ou saiam deixando rastros com suas botas enlameadas por onde passavam, foi quando dei importância a um sapato chamado de “bota”. É claro que eu também queria ter uma para pisar no barro e deixar a minha marca no local. Só tinha um porém : no dia seguinte retornaríamos de avião para Curitiba. Mesmo assim falei com o noivo de minha irmã:

- Eduardo, eu quero uma uma bota!
- Bota? Mas você não vai usar botas em Curitiba ...
- Claro que vou.  - retruquei.
- Mas amanhã vamos para casa ...
- Mas eu quero uma bota!

Entre o querer e o recusar a corda arrebentou para o lado mais fraco : ganhei um par de botas! Foi uma festa pois usei e abusei de colocar minha bota no barro vermelho. Acho que o pai do noivo de minha irmã não gostou nenhum pouco da minha bota porque foi ele que pagou. No dia seguinte fiquei meio envergonhado de colocar minhas botas para viajar de avião e resolvi calçar um sapato esporte. 

Quando cheguei em casa mostrei orgulhoso as botas para meus pais e minha irmã e ninguém gostou da exigência que fiz para adquiri-la, doeu minha consciência. E agora ? Vou para a escola de botas? Andar na cidade de botas?

Decidi deixar de lado as minhas botas no fundo do armário. Nunca mais usei e nem sei ao certo que fim elas tiveram. Só sei que passaram quase setenta anos deste episódio  e meu cunhado, marido de minha irmã, pai de cinco filhos, com netos e bisnetos até hoje faz questão de contar esta história para todos os meus amigos e conhecidos tomarem conhecimento. Eu desconfio que ele nunca gostou por ter me “presenteado” com aquele par de botas ...

“Ser “vela” era muito chato, salvo, na hora de tirar proveito. O namorado de minha irmã fez de tudo para agradar minha família, chutou bola comigo, brincou de cowboy, soltou raia, me levou nos filmes que eu queria ver  e até me comprou um par de botas. Eles noivaram, casaram, tiveram cinco filhos, netos e bisnetos só que meu cunhado não esqueceu das botas que me “presenteou”. Pois quando pode diz para quem quiser ouvir como foi “extorquido” pelo próprio cunhado!”

Edson Vidal Pinto

 

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