Olhando no Espelho
Entra ano e sai ano protagonizo e testemunho todos os acontecimentos que fazem do cotidiano da vida uma colcha de notícias. Cada tema trazido a lume tem o tempero necessário para alegrar e entristecer na medida em que cada um deles mexe com minha sensibilidade. E isto é igual para todos os seres humanos. Uns mais outros menos emotivos, porém as reações são semelhantes porque é da natureza humana quando a realidade não permite fuga.
A dor da perda de ente querido ou de amigo do coração nos proporciona momentos de profunda tristeza apenas curada pelo tempo; o debut de uma neta no esplendor de seus quinze anos recarrega o coração e proporciona maior carga de felicidade. E são tantos os altos e baixos destes acontecimentos na vida de cada um de nós, que não percebemos o tempo passar, salvo quando olhamos mais atentamente no espelho.
E foi em uma destas raras ocasiões que eu deparei minha imagem refletida e por segundos pensei: “Meu Deus, quem é esse homem?” Mas logo cai na realidade: “Sou eu!” Mas como pode? Eu sou muito mais jovem fisicamente pois penso e tenho a criatividade de uma criança, sorrio, sou otimista e participo de conversas com certa desenvoltura e sei que agrado porque sou admirado. Convivo com os mais jovens como se fosse um deles, embora desaprove muitas vezes suas maneiras de falar, agir, se vestir, tatuar e pensar.
Mas olhando com mais vagar no espelho lembrei do meu cabelo que não tenho mais, vi traços acentuados de velhice no meu rosto, minhas pálpebras caídas e o meu pescoço que antes era liso está dividido por duas pequenas muralhas de pele. Meus ombros estão mais para frente e minha barriga parecendo uma melancia cortada pela metade; minhas pernas de jogador de futebol afinaram a ponto de parecer que estou andando com pernas de pau.
Pudera estou nos últimos meses de meus setenta e cinco anos. Tenho até o “cartão de idoso” para estacionar meu carro nas vagas especiais. Quer saber? Com o perdão da palavra estou um verdadeiro caco. Tudo porque fui traído por um maldito espelho colocado em um lugar errado e na hora indevida. Logo eu que por imaginar ter uma mente ágil e criativa faço diariamente meus pensamentos se envolverem em aventuras que me levam esquecer de minha idade. Eu via só meus amigos ficarem velhos, andando com dificuldades e corcundas.
Menos eu que achava ter o viço da juventude apenas nos meus pensamentos até olhar fixamente para o espelho. Sou igual aos meus melhores amigos de época, um velho que se acha jovem esperando sempre o nascer de um novo dia. E não queira ninguém dizer para mim que a vida começa aos cinquenta anos, nem que velho não tem idade e sim tempo de vida, porque não vai me convencer.
No outono da vida cada dia é uma vida para ser usufruída como se fosse terminar no cair da noite. Não com melancolia no coração, mas com alegria, porque existe no ciclo da existência um toque divino que impulsiona os seres humanos na sua jornada. E sabe qual é? A alegria de viver que todos temos dentro de nós, independente de sermos ou não jovens, porque sejam quais forem os sinais de velhice de nosso corpo eles não impedem o sorriso em nossos lábios ...
“A longevidade é um mistério desvendado por algumas pessoas que alcançam idades mais avançadas. Cada novo dia uma nova descoberta, tal qual o do astronauta que pisou pela primeira vez na lua. Pode ser ou não uma graça viver mais do que outros, mas o sorriso nos lábios de um idoso sempre serve para espargir alegria.”
Edson Vidal Pinto