Esses Índios, Esses Índios!
Há dois anos fui até Palmas - Tocantins fiscalizar e credenciar um Curso de Reciclagem de Magistrados que foi realizado naquele estado, quando eu então integrava uma Comissão formada pela Escola Nacional da Magistratura Federal. Curso de significativa importância porque visa atualizar o conhecimento dos Magistrados para os enfrentamentos de suas tarefas forenses, além é claro, de proporcionar troca de experiências e debates de temas mais atuais do Direito.
Lá permaneci de segunda a sexta-feira hospedado em um hotel da cidade e assisti todas as palestras ministradas no curso, realizado das 08:00 até as 18:00 horas, nas dependências da Escola da Magistratura e no final pude juntamente com uma competente servidora da Escola Nacional (de Brasília), tecer considerações sobre as aulas ministradas, seu conteúdo, importância e justificar o credenciamento concedido. E como no meu currículo consta que presidi o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná o desembargador Presidente do TRE de Tocantins, gentilmente convidou-me para participar de uma reunião na sede deste Tribunal com os índios do estado.
Fui à reunião sem saber ao certo o assunto que seria tratado. Depois de recebido com toda a distinção pelo Presidente daquela Corte de Justiça Especializada (eleitoral) fui conduzido ao plenário e convidado para sentar-se ao lado de meu colega na mesa principal. Nunca vi tanto índio reunido na minha vida. Fiquei sabendo que naquele estado existem mais de oitenta Nações Indígenas, creio que todas elas estavam ali representadas pelos seus caciques e demais lideranças. Claro que todos eram índios integrados à Comunidade Nacional, portanto acostumados a viver nas aldeias e na civilização sem nenhum problema.
Afora alguns cocares todos vestiam roupas da cidade embora morassem muito longe da Capital. Com o início da reunião logo me inteirei do tema que angustiava a comunidade indígena: a presença da Polícia Militar nas aldeias. Por quê? Porque era a primeira vez que a Justiça Eleitoral do Tocantins iria permitir que os índios votassem nas eleições que escolheriam os Prefeitos e Vereadores dos municípios, e para isso teria que colocar urnas eletrônicas nas diversas tribos tudo sob a fiscalização da Polícia Militar.
E a birra toda dos caciques era a de que eles queriam que a fiscalização fosse feita pela Polícia Federal, pois se diziam tutelados da Funai. No início não entendi o porquê da rejeição aos militares, mas fiquei sabendo quando um líder indígena fez uso da palavra e explicou:
- Nóis não gosta da Polícia Militar porque quando chegam na aldeia eles batem na gente ...
O Presidente do meu lado sussurrou dizendo que os índios bebem muita cachaça, batem na mulher e quando a PM vai atender a ocorrência eles reagem e por isso acabam apanhando. Eles queriam a Polícia Federal porque os federais pouco aparecem nas aldeias e quando comparecem é apenas para fazer segurança aos funcionários da Funai. Enquanto a discussão corria solto uma Índia, baixinha, com idade que estava estampada no rosto, enrugada e banguela, levantou-se da cadeira onde estava sentada foi até a Mesa dos trabalhos, agarrou minha manga do paletó e ficou estática do meu lado.
E não me “soltou mais” enquanto estive na sede daquele Tribunal. Ela olhava para mim e sorria e eu pensava com meus botões: “como vou explicar para minha mulher quando chegar em casa e apresentar a indiazinha que veio pendurada na manga do meu paletó?” E o meu colega não escondia o riso. O encontro com os índios demorou e no fim eles ficaram convencidos que era atribuição da Polícia Militar fiscalizar as urnas eletrônicas, e no encerramento pediram para tirar uma fotografia na frente do Tribunal para documentar aquele fato histórico.
E lá fui eu com a Índia segurando a manga do meu paletó para posar para a foto. Terminada a sessão de fotos veio um índio pilotando uma motocicleta, parou na minha frente e disse para a minha “garota”:
- Ângela, suba na moto!
A indiazinha nem pensou duas vezes, largou a manga do meu paletó e subiu na garupa como uma adolescente. O motoqueiro tocou a motocicleta e a Ângela nem olhou para trás. Ufa, que alívio. Mal recuperei o fôlego e quando me dei conta de onde eu estava senti alguém agarrar minha outra manga do paletó. Meu coração bateu forte, quase em ritmo de fibrilação cardíaca aguda, me virei na direção do braço “preso” e vi o meu colega segurando a manga do meu paletó e dando gostosa gargalhada ...
“Índio não é nada bobo. Tirando aqueles que estão no Alto Xingu e regiões inóspitas, todos os demais indígenas estão integrados a Comunidade Nacional. Portanto estão sujeitos às leis do país. Mas insistem que querem ser tutelados pelo Governo Federal. Por isso que o Ministro da Justiça dr. Teotônio Vilela dizia: “Este Ministério é sui generis porque trata da tanga à Toga”.
Edson Vidal Pinto