Entre o Mosteiro e o Jogo de Truco
Confesso que sou Católico Apostólico Romano em razão de família mas não sou praticante como deveria, faço todos dias oração na hora das refeições e sempre elevo meus pensamentos à Deus, pratico a caridade com habitualidade e tenho minhas diferenças com o Francisco pela ideologia canhestra que ele publicamente professa. Gosto entretanto dos conteúdos de suas homilias.
Em suma sou um Católico meio desconfiado. E nada contra nenhuma outra religião. Mas desde minha juventude sempre tive amigos clérigos, aliás muitos deles meus amigos do coração. Quando escoteiro do Grupo “Jorge Frassati“ cuja sede era anexa à Igreja do Senhor Bom Jesus, na Praça Rui Barbosa, o chefe era o frei Edgar Muchen O.F.M. um Franciscano que morava no mosteiro da própria Igreja, um homem notável e um educador como poucos.
Lembro de uma de suas lições de vida que nunca esqueci. Fomos acampar em Assunção - Paraguai e um escotista que era General Comandante do Quartel de Cavalaria e Veterinária convidou os visitantes para um lauto almoço no referido estabelecimento militar. Foi servido de entrada uma sopa de carne de cavalo. Nenhum escoteiro comeu. O frei Edgard levantou para fazer a oração e aproveitou para agradecer o alimento que tinha sido servido lembrando que na naquele momento, na casa de muitas famílias, não tinha nada para comer. E assim acabamos meio a contragosto tomando a dita cuja sopa.
Tempos depois ele apaixonou-se pela moça que cantava no coral da Igreja e acabou casando com ela. Na faculdade de Direito cursei uma Universidade Católica quando então tínhamos uma cadeira denominada Teologia que foi lecionada por dois Padres inesquecíveis: Emir Calluf e Gustavo Pereira. Um episódio sarcástico aconteceu em uma aula do Pe. Emir quando um colega o interrompeu e com a maior cara de pau perguntou : - Professor, com todo o meu respeito mas não consigo digerir muito esta história do Adão e Eva. O senhor poderia explicar melhor para todos nós ?
E com a maior paciência o professor não se negou a dar os esclarecimentos solicitados. Pergunta marota de uma turma de gozadores. O Pe. Emir anos depois deixou o celibato. O Pe. Gustavo sempre foi muito considerado por toda a turma. Ele celebrou o casamento de muitos inclusive o meu e batizou meus dois filhos. Foi Capelão do Palácio Iguaçu, Assembleia Legislativa e do Tribunal de Justiça. Seu falecimento entristeceu a sociedade curitibana.
Quando fui Secretário de Estado da Justiça conheci o então Arcebispo Metropolitano de Curitiba Dom Moacir Vitti, uma pessoa de invejável cultura, estudioso e amigo fraterno. Sempre comparecia em meu gabinete para discutir assuntos do cotidiano e depois para pedir “conselhos” jurídicos dos problemas da Cúria. Ele passou a fazer parte de minha família e celebrou o casamento de meu filho primogênito com minha amada nora na Igreja de Santa Terezinha. E foi tão meu amigo que passei a ser convidado em todos os seus aniversários e privei dos almoços em sua residência oficial. Não apenas nestas ocasiões como fui seu companheiro preferido nos memoráveis jogos de truco que ele promovia com seus amigos italianos.
Quando ele teve o infarto fulminante eu estava na Europa e quando retornei e soube de seu falecimento e chorei. E quando viajo para Paranaguá para visitar minha querida irmã e passo sobre o viaduto que leva à cidade de Morretes, leio com saudades “Viaduto Dom Moacir Vitti” e lembro do meu alegre parceiro de truco. E hoje tenho meu amigo e Capelão do Tribunal de Justiça Pe. José Alves Pinto, que no ano passado em razão da pandemia da Covid celebrou minhas Bodas de Ouro numa reunião estritamente familiar. Só não falei do Frei Chrisóstomo da época do Colégio Bom Jesus por causa das inúmeras batidas que ele me deu na cabeça com o enorme crucifixo que ostentava no peito de sua batina, pelas “artes” que eu aprontava com meus colegas. Lembrei nesta crônica dos personagens que fazem parte de minha vida e me ajudaram a compreender o verdadeiro sentido de respeitar e valorizar os seres humanos. E tenho enorme saudades de todos eles …
“Acho que enquanto tiver boa memória a saudades nunca vai me abandonar. Não é viver do passado, não mesmo, mas sim viver o presente sem esquecer daqueles com quem compartilhamos os bons momentos.”
Édson Vidal Pinto