Antonina do Tamanco Português.
Lembro de minha infância sentado no banco de couro da 1a. Classe do vagão férreo da Rede Viação Paraná-Santa Catarina, quando a composição estava parada na estação de Curitiba, e eu olhava fixamente para o grande relógio redondo que marcava a hora da partida para as cidades de Morretes, Paranaguá e Antonina. Naquele momento eu só pensava no meu avô Gustavo Vidal Pinto que estaria me esperando na chegada do trem na plataforma da estação de Antonina, quando então da janela onde meu pai me colocava sentado, ele do lado de fora me agarrava pelos braços e eu sentia as suas mãos me puxarem para fora em direção de seu peito para um abraço afetuoso. Eu amava meu avô paterno, um homem bom, espírita convicto, filho de portugueses que se estabeleceu na cidade vindo de povoados localizados à beira mar onde residiam alguns familiares que nunca conheci. Sentado e com o trem ainda na estação eu sonhava com o abraço de meu avô. Como o encosto dos bancos eram móveis permitiam que eu, meu pai, minha mãe e minha irmã pudéssemos sentar
em dois bancos que ficavam frente à frente, O movimento de pessoas na plataforma com uns entrando e outros saindo dos vagões era intenso, quando de repente os ponteiros do relógio marcavam 07:00 horas e de imediato o chefe da estação, com seu guarda-pó branco e quepe azul com a sigla “RVPSC”, fazia badalar o sino com três pancadas fortes, para depois com um apito assoprar longamente por três vezes, fazendo o vapor da “Maria Fumaça” rodar suas pesadas rodas de aço em direção à Serra do Mar. Em poucos minutos começava uma viagem inesquecível para os olhos, sob o som gemido de “café-com-pão-café-com-pão” , e o tradicional “piiiiiuuuuiiiiii” que alertava pessoas e animais para se afastarem dos trilhos. Na estação de “Banhados” a composição parava por quinze minutos para os passageiros tomarem café com bolinho de graxa.. Daí começavam os túneis, precipícios, a emoção de atravessar a “Ponte São João” e nova parada na estação do “Marumby” onde desciam os montanhistas e os escoteiros para escalar o pico mais alto da região, com seus 1.800 metros de altura. E a viagem prosseguia em acentuado declive até chegar na estação de “Morretes” onde a composição férrea era dividida entre vagões com destino à Antonina e outros à cidade de Paranaguá. O trecho entre Morretes e Antonina não tinha nenhum atrativo e por ser monótono os passageiros cochilavam, menos eu que esperava para me jogar nos abraços do meu avô. E a chegada em Antonina era uma festa porque era hábito entre os moradores se dirigirem à estação pela curiosidade de saber quem eram os passageiros que chegavam. No alto falante da estação sempre tocava uma musica de boas-vindas.
A casa de meu avô, hoje apenas um terreno e nada mais, estava localizada atrás da Igreja de São Benedito há poucas quadras da praça principal da cidade. No mercado municipal , bem cedinho, chegavam dezenas de canoas de pescadores que traziam peixes, camarões, mariscos e caranguejos; e muitos traziam de suas plantações, mimosas, carambolas, laranjas, bananas, jaboticaba e pencas de palmitos numa fartura só. Também lembro de ouvir o “toc-toc” dos tamancos dos pescadores (tradição portuguesa) sobre o paralelepípedo das ruas de Antonina, quando vendiam em cestas artesanais de palha trançada , tudo o que era possível para vender. Uma visita obrigatória era a Igreja de Nossa Senhora do Pilar, a Padroeira da cidade, localizada numa elevação que propicia uma vista maravilhosa da baía de Antonina/Paranaguá, de onde é possível avistar o Porto desta última cidade. Com o passar do tempo Antonina continua sendo uma cidade bucólica, com casarios antigos, onde a tranquilidade reina e a beleza natural impera.
Com um povo hospitaleiro, simples, conversador e contador de “causos” o progresso parece que parou quando as Indústrias Matarazzo deixaram de funcionar e os navios foram atracar do outro lado da baía. E quando penso em Antonina me transporto para a casa de meu avô, sempre de portas abertas para a rua, onde os que precisavam de uma palavra amiga, de um “passe”, ou de um prato de comida e água para beber sabiam que ali iriam achar. Porquê meu avô, um velho marinheiro mercante e depois fiscal de mercado, era um bom homem e meu avô amado…
“Dos meus dois avôs materno e paterno, pude conviver mais com o segundo, pois o primeiro, o lapeano, faleceu quando eu era muito pequeno. Mesmo assim lembro de ambos.
E guardo suas figuras em minhas lembranças.”