Edson Vidal

Saco Cheio Também Estoura

Lembro-me de uma marchinha de carnaval da década de 1.950, cuja letra tinha duplo sentido, mas com um fundo de verdade:
 “Ai, que vida triste tão 
Cruel,
Tem um homem que
apanha papel;
a sua profissão é
um buraco,
Só pode ir pra 
casa,
depois que encher 
o saco!”

Dizer que está de “saco cheio” tempos atrás era uma expressão chula, vulgar, que poucas pessoas ousavam dizer na frente de uma moça ou de uma mulher casada. Hoje, porem, é uma expressão corriqueira de homens, mulheres e até de crianças.

É por isto que faço uso dela para escrever esta crônica. “Saco cheio” no sentido literal não é mais saco do catador de papéis, que na medida em que vai servindo de depósito enche até ficar cheio. Presentemente é sinônimo de impaciência.

É usado quando a pessoa se sente aborrecida e contrariada a ponto de extravasar gritando: “Chega! Estou de saco cheio!” As consequências são imprevisíveis. Há tempos atrás no Tribunal do Júri de nossa capital, foi julgado um senhor idoso, comerciante, que matou um menor, porque este quase que diariamente, quando saia da escola passava na frente da mercearia do réu, e furtava uma das maçãs que ficavam expostas à venda. Cena repetida dezenas de vezes.

Até que um dia o proprietário não aguentando mais aquela situação, fez uso de um revólver e matou o menino. Crime difícil de ser defendido. O Advogado de Defesa habilidoso achou uma maneira sútil de fazer com que os Jurados pudessem se colocar na mesma situação do acusado, para motivar seu gesto extremo.

Quando o Juiz concedeu a palavra para o Advogado de Defesa, este começou saudando os presentes: 
- “ Meritíssimo Juiz Presidente deste Tribunal do Júri; Exmo. Sr. Promotor de Justiça;

“Senhoras e Senhores do Conselho de Sentenças; Funcionários do Poder Judiciário; minhas senhoras e meus senhores”. 

Olhou para o alto, olhou para o réu, fez uma pequena pausa e repetiu a mesma saudação:
- “Meritíssimo Juiz Presidente deste Tribunal do Júri...”.

Depois então fez outra pausa e começou repetindo a mesma saudação:
- “ Meritíssimo Juiz Presidente deste Tribunal do Júri ...”.

E novamente encenou a mesma pausa. E com o mesmo timbre de voz, o Advogado repetiu a saudação pelo menos mais umas sete vezes. Foi quando o Promotor não aguentou mais as impertinentes e enfadonhas repetições, dizendo em voz alta:
- O Senhor advogado por acaso quer esgotar nossa paciência? Se foi isso: conseguiu! Estamos cheios!
- De saco cheio? (Perguntou o Advogado)
- Sim! (Respondeu o Promotor).
- Ótimo este era o estado de espírito do acusado quando, não suportando mais a afronta da vítima que lhe furtava uma maçã por dia, levou-o a perder a cabeça. Tal como se sentiu o dr. Promotor ao me interromper de usar da palavra para saudá-los. O acusado agiu mal é verdade, mas foi arrebatado por uma violenta emoção a ponto de praticar o homicídio.

E daí por diante o causídico fez a defesa do réu. Evidente que o mesmo foi condenado, porém com pena menos rigorosa, abaixo do mínimo legal, face à circunstância atenuante da “violenta emoção”.Dito isso, me transporto agora como sendo proprietário de uma casa, no bairro de Santa Cândida, nas imediações do acampamento do MST que acorda toda a manhã, com gritos, apitos e música, o ladrão Luiz Ignácio. Mais de trinta dias esta mesma ladainha para o Macunaíma.

Não foi à toa que um delegado federal, residente no local, ficou de “saco cheio” e invadiu o assentamento para quebrar o aparelho de som. Haja saco! Tenho pena desses moradores que estão sendo incomodados pelas balburdias dos “movimentos sociais”; e o pior de tudo, órfãos do Poder Público inoperante e medroso. Até quando vão suportar tamanho ultraje? Por quê? Porque “saco cheio” tem um dia que estoura...

Atenção: As opiniões dos nossos colunistas, não expressam necessáriamente as opiniões da Revista Ações Legais.