O Pecado Mora ao Lado.
Um conto de inverno. Casado, muito bem casado, pai carinhoso de três meninas lindas, ótimo emprego no Ofício Público, Pedro Luiz se considerava um homem feliz e bafejado pela sorte. Previdente, suou muito para economizar parte de seu salário e realizar um de seus objetivos para a família: o sonho da casa própria.
E com sua poupança deu de entrada num apartamento que atendia muito bem as necessidades de seus entes queridos. Imóvel localizado no décimo andar de um edifício moderno, em um bairro residencial de classe media-alta, fizera com que se sentisse o homem mais feliz do mundo. Com um carro médio, mas novo, na garagem, não tinha motivo nenhum para cobiçar nada mais e nem querer o que não devia.
Ledo engano como verá mais adiante. Nas horas de folga Pedro Luiz gostava de olhar da varanda do apartamento para o movimento de pedestres que andavam pela rua, e também, em direção às janelas dos apartamentos vizinhos. Nenhum dia era igual ao outro, sempre tinha alguma coisa que lhe chamava a atenção e que lhe distraia por algum tempo.
Era a vida que tinha pedido a Deus. Mas como a felicidade não é perene, para sua desgraça, resolveu comprar uma luneta para ver a lua e as estrelas. Sem delongas instalou a mesma num tripé, e sentado num banco de madeira, passou, primeiro, a vasculhar o céu e seus penduricalhos cósmicos e, depois as janelas dos edifícios da redondeza para flagrar o que os olhos nus, não enxergavam.
E numa certa tarde, viu através da luneta a silhueta pecaminosa de algo que lhe tirou do sério. Era uma imagem que lhe aguçou o desejo de homem, enuviou sua vista e lhe sacudiu o coração. No início não quis acreditar que aquilo que estava vendo existisse, pensou que fosse miragem, mas quanto mais olhava mais nítido ficava aquela bela “escultura”. Passou a suar frio, querendo entender como ela poderia estar sozinha naquela sala, sem ninguém para tocá-la com as mãos e nem tirar bom proveito da situação.
Desde que enxergou aquela imagem corruptora e imoral, caiu na realidade que o pecado “morava” ao seu lado. E que tinha de conquistar aquela fofura: era o seu desejo de pura luxúria! Mas tinha de manter segredo, a família não poderia saber. Só contaria mesmo na hora certa, depois de alcançar tão almejada conquista. Passou então a engendrar um meio de poder se aproximar daquele apartamento e poder entrar dentro dele. Como? Pensou em se passar por entregador de pizza, agente de polícia, funcionário dos Correios, empregado da Net, vendedor da Avon, tudo para poder se apoderar daquela fonte de desejos.
Enquanto não colocava em prática qualquer das estratégias, passou a perder o sono, brigar com as filhas, reclamar da mulher e sua vida tranquila passou a se tornar um pesadelo. A luneta passou a ser usado permanentemente, o olho avermelhado de Pedro Luiz estava “grudado” naquela janela que lhe separava daquela imagem de puro desejo e cobiça.
Dormindo mal, sem se alimentar direito, e sentindo o coração disparar todas as vezes que olhava pela luneta aquela janela de seus sonhos, Pedro Luiz, teve uma crise nervosa e adoeceu. Foi internado, contra a vontade, em uma casa de repouso. Só teve alta depois de cinquenta dias de internação.
E quando voltou para casa, de imediato foi até a varanda, pegou a luneta, olhou com a mesma em direção ao apartamento dos seus desejos ocultos e ela não estava na sala. Sumiu! Ajustou a luneta, olhou mais uma vez e nada. Ela desapareceu, o que fizeram com ela? Quem se atreveu em tocá-la? Tinha que ter uma resposta, ela não sumiria sem mais e nem menos.
Meio sem graça Pedro Luiz, segurando a ansiedade e a crise de choro, perguntou para Ana Clara, sua mulher:
- Na minha ausência, querida, teve alguma novidade aqui pelo bairro?
- Ah! Teve sim. Um escândalo.
- Me conte...
- Sabe aquele apartamento ali - a mulher apontou na mesma direção que a luneta estava focada - foi uma verdadeira zona.
- O que?! O que aconteceu?
- Era de tal de Geddel; na sala tinha uma “montanha” de dinheiro, milhões de reais frutos de corrupção!
- E?
- A Policia Federal apreendeu a dinheirada toda e o cara foi preso.
Pedro Luiz respirou fundo, sabia que seu desejo de cobiça tinha se esvaído. Deu graças a Deus que o pecado não morava mais ao seu lado. Seus sonhos de enriquecer com aquela “montanha” estupenda de dinheiro que lhe atiçava todos os dias, tinha chegado ao fim.
Respirou fundo mais uma vez, colocou a luneta dentro de uma caixa de papelão:
- O que você vai fazer com isso? - perguntou Ana Clara.
- Vou vender!
Depois, abraçou carinhosamente sua mulher, deu-lhe um beijo amoroso e ambos, abraçados, deixaram a varanda...
“Tem várias formas de pecado. Cobiçar dinheiro que não lhe pertence é um deles. Embora tenha muita gente que não pensa assim. Acham que dinheiro é prêmio e não colocar o mesmo no bolso é burrice!”
Edson Vidal Pinto