Mordi a Língua.
Engraçado o que acontece no dia a dia, pois na medida em que envelhecemos a vida sempre nos dá uma lição. Lembro-me de minha tia Juvelina, lapiana, irmã mais velha de minha mãe, pois quando ela deveria ter uns quarenta e cinco anos de idade, cabelo preso, magra, vestindo quase sempre roupa escura e sem maquiagem, eu que era guri achava ela uma velhinha.
Hoje, eu com setenta e três anos “achamos” que pareço jovem, apesar de minhas pernas doerem quando ando e gostar de sentar na poltrona mais próxima de onde eu estiver. O tempo é o mesmo, então o que será que mudou? A qualidade de vida, vestuário, a evolução da medicina, a vaidade feminina e quem sabe, os encantos de conhecer o mundo graças à tecnologia da televisão. Nada mais.
E quando se é moços às vezes teimaram em nunca fazer ou tiver determinada coisa. Lembro que eu dizia que jamais teria um carro da cor preta, por achar com “cara” de viatura oficial, além é claro de que é a cor que mais aparenta sujeira. Atualmente tenho um Veículo Corolla, Autis, de cor marrom e quando não tem sol para refletir na pintura a cor é preta. Mordi minha língua.
E assim aconteceu com tantas outras coisas, que no fim resultou no oposto. Pois bem, se tem uma coisa que jurei, mas jurei mesmo, que nunca iria me acontecer era precisar dos serviços de um cirurgião plástico; e até nisto, mordi a língua. E aconteceu na última quinta-feira. Conto em detalhes a minha consulta, que foi uma epopeia. Foi minha mulher que marcou e me acompanhou.
A sala de espera era chiquérrima, moderna, com recepcionistas treinadas para sorrir e atender bem. Entramos e tinha só mulheres sentadas, conversando, só eu de homem. Quando me viram pararam de falar, depois só olhavam para minha mulher. Pois ela era a única acompanhada do marido. Sei lá o que pensaram, prefiro não saber.
Na parede, atrás das recepcionistas, tinha uma televisão panorâmica de muitas polegadas, que só passava vídeo de modelos em desfile de peças íntimas, da Victoria’Secret. Eu não sabia se olhava ou não, porque não queria aparentar que estava me interessando pelo quê eu assistia e muito menos poderia olhar para as pacientes do esculápio, para não ser mal interpretado.
Acabou o sofrimento quando fomos chamados para entrar no consultório. Sala digna de um rei. Entramos e sentamos. O médico chegou logo em seguida. Cumprimentou-nos muito animado e passou a conversar somente com minha mulher, fui tratado como se fosse apenas o “caixa alta” responsável pelo pagamento da fatura futura, inclusive quis saber se a saúde dela estava perfeita e tinha exames para apresentar naquele momento. Eu me fingi de morto, e só ouvia.
Lá pelas tantas ele perguntou:
- A senhora deseja fazer que tipo de plástica?
- Eu não. - ela respondeu. -É o meu marido que precisa...
O médico esboçou um sorriso amarelo e me perguntou:
- Pálpebras?
- Não! -respondi. - Peito, abdômen e...
- Brincadeira dele, doutor!
Eu ri, e acrescentei:
- É um quisto que está em cima da pálpebra do olho direito, alguns milímetros do meu olho. E está crescendo, preciso tirar.
- Sem problemas, vou examinar e marcaremos a data do procedimento cirúrgico. Anestesia local...
Como tomo remédios para o coração por ser cardiopata, dentre eles anticoagulantes, terei que conversar antes com o cardiologista para suspender seus usos por pelo menos dez dias antes da retirada do quisto. Só por isto é que acabei indo ao cirurgião plástico.
Consulta que nunca pensei um dia precisar, mas é sempre assim: nunca dia que jamais comerá buchada de bode, que poderá morder a língua...
“A vida é a universidade do ser humano. Vivendo e aprendendo. E ninguém consegue driblar o acaso; este acontece quando menos se espera. A vida, como no futebol, é sempre uma caixinha de surpresas!”
Edson Vidal Pinto