O Juiz de Ontem.
A nostalgia é uma maneira de a alma vivenciar certos momentos; é voar para bem longe sem sair do próprio lugar. Às vezes um pingo de chuva que repousa sobre uma pétala da rosa e de repente se desaprende mansamente para cair no chão, pode ser um momento nostálgico para quem aprecia a magia de sentir a natureza.
Olhar as estrelas pode levar o ser humano a formar num só momento um caleidoscópio de cenas, recordações e reencontros. O cenário que induz a nostalgia às vezes pode levar o indivíduo à depressão. Depende do estado de animo e da pessoa estar de bem ou não com a vida.
E não é errado dizer que os Juízes de Direito e os Promotores de Justiça de ontem, das gerações passadas, conviveram com a nostalgia bem mais de perto do que os mais jovens que ainda vestem togas e becas. Talvez eu tenha sentido um pouco disso que estou escrevendo, claro sem comparar com aqueles que me antecederam e enfrentaram um interior do Paraná muito mais rural e aventureiro.
Meus primeiros passos na carreira foram em 1.968, quando muitas rodovias ainda não eram asfaltadas, água era de poço, telefone de ramal, meio de comunicação através de carta, telegrama ou rádio, as cidades pequenas e algumas com o agito do progresso dando a certeza de que se tornaria em pouco tempo em grandes metrópoles.
E elas estão aí: Londrina, Maringá, Umuarama, Ponta Grossa, Cascavel, Foz do Iguaçu, Pato Branco, Francisco Beltrão e Campo Mourão, todas elas frutos do pioneirismo e empreendedorismo de sua gente. Mas antes de desabrochar o ansiado progresso o profissional da Justiça percorria lugares de difícil acesso, morava em casas de pouco conforto, trabalhavam em fóruns de madeira ou improvisados, viviam isolados com mulher e filhos, sem nenhuma tecnologia, enfrentava dificuldades e a solidão do gabinete.
Eram homens e mulheres que tinham apenas o ideal de servir os jurisdicionados. Lembro que fui fazer um júri em São João do Triunfo, pois era Promotor de Justiça, e fiquei hospedado uma noite na única pensão do local. O acesso àquela cidade era feito via Lapa/São Mateus do Sul/São João do Triunfo, por estrada de macadame.
Era longe e o meu carro um Volkswagen, sedan, era o veículo com o qual enfrentava um trajeto movimentado de caminhões e outros automóveis. Chegar a São Mateus do Sul era parada obrigatória para almoçar ou fazer um lanche reforçado. Dali até São João a estrada era ainda mais precária, com árvores dos dois lados da pista, barro ou pó.
A cidade tinha uma única rua, dois ou três botecos, as casas de madeira, um posto de gasolina e muita plantação de mate. A noite, recolhido no quarto da pensão, dava para ouvir a sinfonia interminável de rãs, grilos e zumbidos de mosquitos. Era uma região muito fria e que chovia muito. Um prato cheio para nostalgia. Meses depois de minha passagem pelo lugar fiquei sabendo do suicídio do Juiz de Direito em sua casa, naquela comarca.
Logo me transportei para a noite que passei em São João do Triunfo e lembrei que senti a nostalgia de perto, na solidão da noite, na chuva, no barro, no pio da saracura e no ambiente lúgubre e triste da cidade. O Juiz era jovem, uma ótima pessoa, circunspecto, educado e vivia em uma das casas com a mulher e um filho menor. E quando me lembro dele não me esqueço da nostalgia, rezo por sua alma e pelos mistérios de nossas vidas...
“Juiz e Promotor na sua maioria eram pessoas nascidas na capital. Mas as carreiras impunham a obrigação de viver nas cidades do interior, anos a fio. Na modernidade é fácil, no passado as dificuldades e monotonia davam causa à muita nostalgia. E com esta a depressão traidora está sempre ao lado sem dó e nem piedade!”
Edson Vidal Pinto