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Direitos Humanos e a
justiça de Santo Ivo
O século XIII trouxe a existência de universidades que, hoje, são das mais antigas
do mundo. Na Europa, pairava clima de mudança. Era chegada a hora de deixar a
idademédia e caminhar emdireçãoanovos ares. E, bemno seiodestes novos ares,
umhomemtecia singelas contribuições. Das quais, amais importante era o acesso
à justiça para os pobres.
Santo Ivo, que viveu no século XIII, marcou a humanidade pela preocupação coma
defesa dos pobres. Mitos e lendas se desenvolveramemtorno deste homem, mas,
ninguémnega que ele seja o patrono dos advogado e que se tornou este padroeiro
defendendo graciosamente os pobres. Inclusive, comemora-se o dia de Santo Ivo
em19 demaio.
Hoje, quando olhamos a advocacia moderna e o poder judiciário, observamos
que há muito por se fazer. O princípio de presunção da inocência, que permite
aos poderosos responder em liberdade os processos criminais, raramente se
aplica aos pobres.
Não raras vezes, o usuário de drogas é preso pela políciamilitar emfagrante na es-
quina, com uma, duas ou três pedras de crack e permanecem presos por cerca de
cinco a oito meses em regime fechado para, após todo este tempo, receber uma
pena de tratamento compulsório. Destemodo, surge o dilema: quando era consti-
tucionalmente inocente, fcou preso emregime fechado, agora, que está condena-
do é libertado.
Contradições judiciais –Nosso sistema de justiça penal precisa começar a enfrentar
suas contradições e estabelecer outros mecanismos de garantia do juízo que não
seja a prisão em regime fechado. Os juízes resistememaplicar medidas substituti-
vasenquantonãosechegaaotermodosprocessos,mas issoprecisaser repensado.
Por exemplo, quando um homem pratica um crime de roubo, qualifcado com o
concurso de agentes, por ser mais de um ladrão e comuso de arma de fogo, sendo
Por Wagner Dias Ferreira
ele de bons antecedentes, ou seja, está praticando crime pela primeira vez, a pena
será de cinco anos e quatro meses de reclusão em regime semiaberto. Ora, desta
forma, é muito injusto que ele aguarde preso em regime fechado uma condenação
quedeantemão já se sabequenão seráemregime fechado, issoquandoo réunãoé
absolvido e aí a prisão foi umverdadeiro abuso do Estado.
O tema é polêmico e difícil de tratar, mas estas nuances precisam ser enfrentadas
pela sociedade, pois, a falta de coerência no nosso sistema de justiça penal impede
que a aplicação da justiça produza o efeito preventivo desejado pelo direito penal.
VejaqueaLei deExecuçãoPenal eaReformadaParteGeral doCódigoPenal sãoda
década de 80 (século XX). No entanto, até hoje, o Estado não construiu estabeleci-
mentos capazes deatender aos regimes semiabertoeaberto. Desta forma, os juízes
têmque aplicar a prisão domiciliar como alternativa à falta de estabelecimentos.
O Supremo Tribunal Federal (STF) está inclusive sendo provocado a discutir a apli-
cação da prisão domiciliar como alternativa à falta de estabelecimentos de regime
semiaberto. Então, aquela máxima de que muitas vezes a defesa do advogado se
restringe a obter uma reduçãodepena ouumregimemais favorável nãopossui efe-
tividade já que não existemestabelecimentos para o cumprimento destas penas.
Assim, mesmo que o advogado queira promover uma boa defesa para seu cliente,
encontrandoméritonascausasquepatrocina,nãoencontrarespaldonosresultados.
Acaba tendo que se restringir a realizar os atos formais nos processos, não podendo
garantir ao cliente o cumprimento daquilo que foi escrito na lei.
E é aí que reside a relevância contemporânea de Santo Ivo. A sua preocupação
de defender os pobres não era um sentimento religioso inocente. A defesa dos
pobres é a busca de efetividade do Direito, da Justiça. E, quando esta se faz pre-
sente na vida dos mais frágeis e des-
providos de recursos, o seu potencial
de universalidade é muito maior.
*Wagner Moura, advogado e membro
da Comissão de Direitos Humanos da
OAB/MG
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