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Reprodução Humana Assistida:
avanços ou retrocessos da
condição feminina?
Por Ana Paula Pellerinello
H
omens e mulheres não são bio-
logicamente iguais, como tam-
bém não o são “os papéis”
reservados a homens emulheres na so-
ciedade, o que não signifca dizer que o
padrãodohomemcaçandoedamulher
parindo seja o ideal ou que deva ser as-
sim mantido. Na contemporaneidade,
o ser humano não é guiado apenas ins-
tinto e nem toda a mulher deseja casar
e ter flhos, embora amaioria dos homens não acredite nisso.
Depois de inserida (com relativo êxito) nomercado de trabalho, a mulher passou a experimen-
tar outras esferas de realização que não aquela defnida pela sociedade: ter flhos. Mesmo as-
sim, é fato que amaioria delas ainda alimenta essemesmo desejo.
Contudo, na idade em que biologicamente poderia-deveria ter flhos, a mulher moderna está
estudando e/ou trabalhando, nem sempre tem parceiro(a), e muitas vezes não tem dinheiro.
Por esta razãomuitasmulheres simplesmente desistemou se veem forçadas a postergar ama-
ternidade, mesmo quando há o desejo genuíno de ser mãe – e biológica.     
Importa destacar, pois, quais os muitos benefícios da inserção das técnicas de Reprodução Hu-
manaAssistida (RHA) como instrumentopara emancipar amulher – ampliando seu catálogode
direitos. Aumaporquealcançamulheresque, hámuitopoucotempo, nãopoderiamconcretizar
o projeto parental naturalmente, como as inférteis (o que, em uma concepção ampla compre-
endeasquenãopodemter flhospor questõesbiológicasoude fato); aduaspor permitir queas
mulheres férteis tenhammaior domínio sobre o próprio corpo, ao possibilitar o congelamento
de óvulos e embriões para futuro implante; e, a três, pelo fato de viabilizar que umamulher por-
tadora de doença grave e infectocontagiosa tenha flhos saudáveis.
 No entanto, temaindamaior relevo investigar se nãohá umapelodomercado, da família oude
qualquer outromeio de dominação, voltado para reconduzir a mulher a um local bem conheci-
do, o âmbito doméstico, salvo quando interesses aindamais elevados (que não os das próprias
mulheres) sugeriremo contrário.
Umexemplodisso foi a notícia veiculada nomês deoutubrodeste ano, pormeiodaqual se alar-
deou que as empresas globais Facebook e Apple fnanciariamgastos, até o importe de vintemil
dólares, com a criopreservação de óvulos de suas empregadas para assim retardar a materni-
dade biológica. O comportamento dessas empresas, apontados como políticas de Reprodução
Humana, voltadas a exercer “função social” e dar igual oportunidade para homens emulheres,
na verdade prenuncia amanutençãode papéis bemdefnidos a seremdesempenhados por uns
e por outras.
Amedida anunciada revela que o estímulo oferecido para que asmulheres não deixemde exer-
cer suas atividades profssionais, por conta de uma gravidez ao longo da carreira (e em detri-
mentodeumprojetoparental imediato), não semostra comouma proposta feita pormulheres
em prol das mulheres. Ao revés, soa muito mais como um pleito de homens, pensando como
patrões e nas empresas.
Essa conjectura se funda na circunstância de as mulheres difcilmente ocuparem a cúpula das
grandes empresas, a quem incumbe a alta gestão, bem como a eleição das diretivas das polí-
ticas institucionais, inclusive em relação a recursos humanos. Mas uma coisa é certa, no Brasil
e no mundo as mulheres recebem salários menores, o que explica e justifca, na perspectiva
econômico-fnanceira, a tentativa demanutenção delas na ativa.
O segundo apelo se refere às falsas expectativas introduzidas pelo mercado de consumo, que
vende o sonho de um admirável mundo novo, que conta com tecnologia capaz de possibilitar
que qualquer mulher reproduza em qualquer idade, assim como fazem os homens. Nesse am-
biente é que se tempropagado a ideia de que amulher poderia congelar óvulos e assimposter-
gar amaternidade, como se isso revelasse algo tão simples como tomar uma pílula. Não é.  
 O congelamento de óvulos envolve várias etapas, muito penosas e de risco. Primeiro é neces-
sário injetar altas doses de hormônio, com o objetivo de conseguir o maior numero de óvulos
possíveis. Com êxito uma mulher entre 30 e 35 anos pode produzir de 20 a 30 óvulos, após se
submeter, de 7 a 11 dias, a aplicaçãohormonal diária, a umcustomédiodeR$ 800,00. Essa etapa
é bastante delicada por conta da possibilidade de a mulher desenvolver a síndrome da hiperes-
timulação ovariana, que, na pior das hipóteses, pode levá-la a óbito. Na melhor das hipóteses,
a mulher vai sofrer, e muito. Imagine-se o esforço sobre-humano de coleta e armazenamento
demais de 20 óvulos emum sómês, ao invés de um só, como naturalmente ocorre. Advirta-se,
também, quemuitas mulheres após os 40 anos – na verdade a grandemaioria delas –, não pro-
duz umóvulo sequer depois da submissão a essa verdadeira bomba hormonal.
Bebel Ritzmann