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A segunda etapa compreende a retirada dos óvulos. Durante o percurso, mais doses de hormô-
nio são necessárias para inibir o ciclo natural do corpo da mulher. O objetivo é provocar uma
espéciedemenopausa. Quandoos óvulos alcançamo tamanho ideal,mais umadosedehormô-
nio éministrada, dessa vez para que eles não “eclodam” naturalmente. Afnal, amulher recebe
uma sedação, e cada um será aspirado por meio de um ultrassom acoplado a uma agulha. Fi-
nalmente os óvulos serão selecionados para criopreservação. Oproblema é que para conseguir
dois ou três embriões para transferência, será preciso pelomenos 12 óvulos viáveis. Isso porque
a metade pode apresentar anormalidades genéticas e terá de ser descartada. Quando sobrevi-
vemao descongelamento, as chances de produzir, a partir daqueles óvulos, umoumais embri-
ões perfeitos é muito, mas muito menor do que se o material fosse colhido “a fresco”. Demais
disso, a possibilidade de implantação do embrião eventualmente produzido nessas condições é
muitomenor do que as chances de implantar o próprio embrião criopreservado. Poucos sabem
disso, e a grandemaioria dosmédicos tambémnão informa das desvantagens no congelamen-
to de óvulos.
Quer dizer, amedida serve comoúltimo recurso, enão, repita-se, comouma alternativademan-
ter a atividade empresarial aquecida, com salários menores e sendo pagos amulheres que têm
de abdicar do imediato desejo de ter um flho a guisa de seguir curso na carreira. O mesmo se
diga da ilusão do retardamento do projeto parental como indiferente para a mulher, como se
sugere emboa parte damídia especializada.
Éprecisoassumir, então, que amedicina auxilia, emuito, aumnichoenormedemulheres, aque-
las que naturalmente não conseguem conceber, as que se encontram sós, as homossexuais e
as acometidas por doença infectocontagiosa ou grave, com refexos na fertilidade, ao oferecer
uma possibilidade e não uma garantia de gestação, o que não pode ser ignorado.
Por mais essa razão é que as medidas anunciadas pelas duas empresas não emancipam as mu-
lheres. Aemancipação aconteceriamediante condições ideais de conciliar amaternidade plane-
jada com a carreira, exatamente como fazem os homens, para quem ter flhos quase nunca in-
terfere coma rotina, como salário e coma ascensão profssional. Isso apenas será possível com
amodifcação de uma cultura que insiste emdividir papéis de forma injusta e desproporcional.
De todomodo, a utilização das técnicas de RHA constitui simverdadeiro avanço emancipatório
para a condição feminina, porque permite às mulheres, e somente às mulheres, em querendo,
fruir de autonomia existencial singular, a de – semhomem– poder decidir (e) ter flhos. Ou seja,
de livremente buscar a própria dignidade como pessoa humana, mediante concretização do
direito à descendência, inclusive de forma assistida, se necessário for.
Ana Paula Pellegrinello é advogada e mestra em Direitos Fundamentais e
Democracia pelas Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil). Autora do
livro “Reprodução Humana Assistida – a tutela dos direitos fundamentais das
mulheres”, pela Juruá Editora