Revista Ações Legais - page 50-51

ARTIGO
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Estado de calamidade e
alterações legislativas: o que
muda para as sociedades?
O
espalhamento do coronavírus pelo mundo e
a crise de saúde pública dessa pandemia trou-
xe consigo um grande desafio de se buscar al-
gum nível de estabilidade e segurança jurídica frente
às recomendações de isolamento social.
Nesse cenário de evidente força maior se impõem di-
versas consequências jurídicas nas relações jurídicas
de direito privado, das quais aqui se pretende destacar
algumas questões para o regime societário.
Dentre as iniciativas legislativas quemerecem atenção
podemos citar a Medida Provisória nº. 931/2020 e o
Projeto de Lei 1.179/2020, ambos com rito de urgência
e tramitação sumária perante o Congresso Nacional.
O PL 1.179/2020 propõe a regulamentação de umRegime Jurídico Emergencial e Transitório
das relações jurídicas de Direito Privado (RJET), cuja redação original sofreu várias altera-
ções no processo de aprovação no Senado, e atualmente aguarda a deliberação pela Câma-
ra dos Deputados.
Na sua última versão, o PL que visa estabelecer o RJET tem dois dispositivos que são dedi-
cados às pessoas jurídicas (arts. 4º e 5º), mais especificamente às associações, sociedades e
fundações, em que comina observância às restrições das autoridades sanitárias para reali-
zação de reuniões e assembleias presenciais até a data de 30.10.2020.
Além disso, autoriza a realização de assembleia geral por meio eletrônico, independente-
mente de previsão estatutária ou no contrato social, cujo formato será indicado pelo admi-
nistrador, tendo como requisitos a necessidade de identificação do participante e a segu-
rança do voto, com a produção dos mesmos efeitos legais de uma assinatura presencial.
Uma Comissão de Juristas elaborou esse PL a partir da premissa de norma de caráter tem-
porário, inspirada nas regras excepcionais da Lei Faillot de 1918, do Direito Francês, no in-
tuito de estabelecer algum nível de segurança jurídica, mitigar o oportunismo e o possível
caos de excessiva judicialização.
Já a MP é dirigida às sociedades anônimas, limitadas e cooperativas e possui três núcleos
principais: 1) prorrogar o prazo para a realização da assembleia geral ordinária; 2) prorrogar
os mandatos de órgãos de administração, fiscalização e de gestão ou apoio; e 3) autorizar
a participação e votação à distância de reuniões e assembleias.
Para cada um dos tipos societários existem pontos em comum e especificidades que me-
recem atenção, que trazem consequências jurídicas no que tangem às deliberações ordi-
nárias de uma sociedade, especialmente de aprovação de contas e respectiva distribuição
de resultados, do exercício de funções de administração e fiscalização e a delimitação da
responsabilidade civil.
AComissãodeValores Imobiliários (CVM) regulamenta a realizaçãode reuniões e assembleias
por meio remoto, recentemente atualizada para tratar dos atos integralmente virtuais, para
as sociedades anônimas (ou companhias) abertas pela Instrução nº. 481, de 17.12.2009 e suas
alterações, cabendo citar aqui em especial a Instrução CVM nº. 622, de 17.04.2020.
As companhias fechadas, sociedades de responsabilidade limitada e cooperativas tiveram
as suas reuniões e assembleias por meio semipresencial e digital reguladas pelo Departa-
mento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI), vinculado à Secretaria de Go-
verno Digital doMinistério da Economia. A INDREI nº. 79 de 14.04.2020 vincula os requisitos
formais para a realização dos atos, que devem, igualmente, observar todos os requisitos
legais e contratuais ou estatutários previamente existentes.
A medida provisória está vigente, apta a produzir ato jurídico perfeito e, caso venha a ser
aprovada e sancionada no processo legislativo, terá natureza de norma permanente e não
temporária tal qual se propõe no RJET – cuja aplicação estará adstrita aos fatos, atos e ne-
gócios jurídicos do período da pandemia, juridicamente reconhecido como de calamidade
pública, e por ser excepcional tem natureza transitória.
Nessas condições, ainda que o momento eleve o nível de preocupação dos administrado-
res, é preciso cautela na condução dos atos societários para evitar a ocorrência de vícios
jurídicos e a imputação de eventual responsabilidade civil no futuro diante das inúmeras
variáveis que se colocam.
Por Micheli Mayumi Iwasaki, mestre em
Direito pela Universidade Federal do
Paraná e especialista em Sociologia
Política pela Universidade Federal do
Paraná
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