Revista Ações Legais - page 54-55

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um desconhecimento do que ocorrerá, mas uma esperança de que o mercado se
estabilize”.
Ponto de vista legal
Marina Amari esclarece que a legislação traz a figura da revisão contratual como remé-
dio a amparar situações nas quais há uma desconformidade entre o que foi pactuado
consensualmente e a realidade do contrato em um momento posterior. “O desequilíbrio
econômico-financeiro do contrato é um fato social, um problema das relações econômi-
cas que deve ser encarado pelo Direito”, frisa.
À luz das normas do Código Civil, por uma interpretação conjunta dos dispositivos que
tratam do tema, percebe-se que a revisão judicial do contrato é autorizada quando algum
evento imprevisível surge, e desde que haja desproporção nas obrigações sentidas por al-
guma das partes. Dentro do regramento protetivo da Lei de Locações, há a previsão, para
situações ordinárias, da ação revisional de aluguel. Essa demanda visa a compatibilizar o
valor do aluguel ao valor de mercado, após o transcurso de três anos de contrato ou do
acordo realizado entre as partes.
Como estamos diante de uma situação excepcional e urgente, e considerando que nem
todas as relações locatícias contam com o período de três anos de contrato, a advogada
recomenda a tentativa de renegociação extrajudicial do aluguel, conforme autorizado
pelo art. 18 da Lei do Inquilinato e pelas normas gerais de revisão dos contratos inscritas
no Código Civil.
A advogada explica que a rigor, a variação cambial, a inflação e a desvalorização do padrão
monetário sãoacontecimentos considerados
previsíveis quando da celebração de contra-
tos empresariais, não sendo causa de revisão
contratual por si só, conforme entendimento
consolidado no Brasil e destacado pelo Pro-
jeto de Lei 1.179/2020. O que ocorre é que a
pandemia de COVID-19 tomou dimensões
inimagináveis com o fechamento das ativi-
dades mercantis, abrindo margem para que
se discuta a imprevisibilidade desse aconte-
cimento. Como bem quis enfatizar a Lei de
Liberdade Econômica, a revisão contratual é
medida excepcional, devendo ser discutida
com as cautelas que o tema requer.
Situação de shopping centers
A advogada relata que a Associação Brasileira de Shopping Centers – Abrasce propõe
algumas soluções para o enfrentamento da situação, a fim de que se evite judicialização
futura desses contratos. Entre as sugestões estão a suspensão do aluguel pelo período
em que as lojas permanecerem fechadas, mantendo-se, contudo, a exigibilidade para dis-
cussão em momento posterior, e a não cobrança ou a diminuição das despesas de fundo
de promoção e do condomínio.
Marina Amari ressalta que essas medidas não implicam a renúncia do direito do locador e
do locatário, configurando-se, apenas, como medidas emergenciais para a solução tem-
porária da crise enfrentada pelo setor de shopping center. “Ainda assim, não têm força
obrigatória, de modo que devem ser tomadas como guias de orientação de como pro-
ceder”, avisa. Normalmente, o valor da locação das lojas nesse sistema é calculado em
percentual do faturamento, com previsão de um teto mínimo. Não há receita para todos
os males nem há como antever todas as particularidades de cada caso concreto, observa.
"Poderão existir situações em que, prosseguindo a atividade, ela estará mitigada e, por
isso, uma suspensão do valor mínimo durante o período de exceção pode ser o caminho
para atender os interesses de ambos os contratantes”, pontua.
Ela alerta que é extremamente difícil e perigoso padronizar soluções para diferentes ati-
vidades econômicas e sustenta a declaração da Abrasce de que “cada praça país afora,
cada shopping, cada segmento ou perfil de lojista, enfim, cada contrato individualmente
considerado reflete uma realidade distinta, que só o gestor do empreendimento é capaz
de compreender, no momento da escolha do caminho a seguir, nesse difícil período tran-
sitório excepcional de fechamento dos empreendimentos".
Evitar a judicialização
Por essemotivo, embora haja tendência de que o Poder Judiciário encare a situação como
um fato imprevisível, a análise da possibilidade de redução, isenção ou postergação do
aluguel depende muito da relação travada entre as partes. E o mesmo se pode dizer em
relação à quantificação dessa possível revisão. “Afinal, um contrato de locação que con-
tou com reiterados descontos em favor do locatário não pode ser igualmente valorado
quando comparado a um em que houve sucessivos ajustes anuais”, reconhece.
Por fim, a advogada alega que é prudente que se evite a judicialização dos contratos e
que as partes se antecipem e encontrem uma solução consensual apta a ajustar o dese-
quilíbrio da relação contratual.
EM TEMPOS DE PANDEMIA
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