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OPINIÃO
Povos indígenas e
COVID-19: uma nova
ameaça ao direito de existir
O
dia 19 de Abril - “Dia do Índio” - é um convite ao reconhecimento da existência
dos povos indígenas e à valorização das suas peculiares manifestações culturais.
A data, se bem utilizada, pode servir de reforço à luta por justiça e por direitos dos
povos originários, o que passa, necessariamente, por tornar evidente a violência estrutural
ainda por eles sofrida e que ganha contornos ainda mais prioritários em tempos de crise.
Em função dos movimentos de saúde pública de combate à propagação da COVID-19 (co-
ronavírus), que recomendam o isolamento social e a proibição de aglomerações, as fes-
tividades programadas para o Abril Indígena foram canceladas em todos os territórios
indígenas do Brasil, bem como as comunidades indígenas estão justificadamente apre-
ensivas. Caso não sejam prontamente adotadas medidas sanitárias de precaução pelo
Poder Público, o perigo da disseminação do coronavírus pode implicar um novo ciclo de
genocídio dos povos indígenas.
A COVID-19 constitui forte ameaça à saúde pública, principalmente dos povos indígenas,
que já experimentammaiores dificuldades de acesso aos cuidados de saúde, índices signi-
ficativamente mais elevados de doenças e a falta de acesso a serviços públicos essenciais,
como água potável, energia elétrica, alimentação adequada e itens de higiene (sabão, de-
sinfetante, etc), além do que se mostram especialmente mais vulneráveis a infecções por
vírus. Do mesmo modo, as instalações médicas mais próximas das aldeias comumente
estão mal equipadas e contam com profissionais de saúde em número insuficiente.
O Ministério Público do Paraná, por meio do trabalho das Promotorias de Justiça de Di-
reitos Constitucionais, com o auxílio do Centro de Apoio Operacional das Promotoria de
Justiça de Proteção aos Direitos Humanos (CAOPJDH), vem acompanhando as medidas
que estão sendo adotadas em prol das comunidades indígenas paranaenses e exigindo
a tempestiva e correta atuação das instituições públicas em favor dos povos indígenas e
em observância às condições peculiares destes.
Vale destacar, em meio a essa inquietante paisagem, uma boa notícia. O Ministério Públi-
co do Paraná, por intermédio da Promotoria de Justiça de Laranjeiras do Sul, no Centro-
-Sul do estado, vem auxiliando estudantes indígenas da Terra Indígena Rio das Cobras em
projeto desenvolvido por eles e pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), cujo
produto final foi a confecção de cartilhas de combate à violência doméstica nas línguas
guarani e kaingang. O material traz, além de pertinentes informações pedagógicas sobre
a violência contra a mulher, a íntegra da Lei Maria da Penha (Lei 11.340). A versão digital
da publicação está pronta, bem como a diagramação das cartilhas, que serão impressas e
distribuídas em breve.
Igualmente, vale o registro da intervenção positiva do Ministério Público do Paraná, por
intermédio do Centro de Apoio Operacional das Promotoria de Justiça de Proteção aos
Direitos Humanos, junto à Defesa Civil do Estado do Paraná, por meio da qual foi assegu-
rada a distribuição, nos próximos dias, de 12.368 cestas básicas fornecidas pela Compa-
nhia Nacional de Abastecimento (Conab) a todas as comunidades indígenas do Estado do
Paraná.
Portanto, ante o grave panorama de crise sanitária e social que assola o Brasil e o Mundo,
mais do que em qualquer outro momento histórico, há que ser firmemente reconhecido
e assegurado o direito constitucional de existir dos povos indígenas, cuja afirmação até
pode parecer desnecessária, mas não é, por ter sido negado aos povos indígenas, desde a
chegada dos europeus no continente americano, tanto por políticas de extermínio como
por políticas assimilacionistas.
Por Olympio de Sá Sotto Maior Neto, procurador de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacio-
nal das Promotorias de Justiça (Caop) de Proteção aos Direitos Humanos
Por Ana Carolina Pinto Franceschi, promotora de Justiça e coordenadora do Núcleo de Promoção dos Di-
reitos da População em Situação de Rua (Núcleo POP Rua) do Caop de Proteção aos Direitos Humanos
Por Rafael Osvaldo Machado Moura, promotor de Justiça do Caop de Proteção aos Direitos Humanos