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A política no tapetão
A
OAB provocou o STF para a declaração de
inconstitucionalidade dos dispositivos da
Lei dos Partidos Políticos e da Lei das Elei-
ções que permitem a doação de pessoas jurídicas
para partidos políticos e campanhas eleitorais e
estabelecem tetos relativos para doações e uso
de recursos próprios dos candidatos, afirmando a
ofensa aos princípios da igualdade, da democracia e da República em face da pro-
teção deficiente do legislador. Na ADI 4650, a OAB pede ainda decisão de natureza
substitutiva do STF, com manipulação de efeitos, a exortação ao legislador e, em caso
de a omissão do Parlamento em mais de 18 meses, defende que o Tribunal Superior
Eleitoral expeça as regras sobre o tema. Nada disso parece corresponder aos coman-
dos constitucionais.
Um dos princípios constitucionais estruturantes do Direito Eleitoral é o princípio da
máxima igualdade na disputa eleitoral. Este princípio demanda igualdade em relação
ao voto, à efetiva representação e também entre os candidatos. O sistema brasileiro
impõe uma regulação das campanhas eleitorais, com restrições à propaganda eleito-
ral, vedação ao uso do poder público nas campanhas, reservas à atuação dos meios
de comunicação social e controle do poder econômico. Esses restrições se justificam
pela garantia de oportunidade plena e equitativa para participar no debate público.
Há desigualdades marcantes no tratamento constitucional e legal das campanhas. A
possibilidade de reeleição trazida pela Emenda Constitucional nº 16/1997, alterando o
parágrafo 5º sem compatibilizar o parágrafo 6º, cria uma “regra de privilégio”. Essa
regra iníqua, embora objeto de ação direta de inconstitucionalidade, não foi afasta-
da pelo Supremo Tribunal Federal. A ADI 1805 teve apenas apreciação em relação à
cautelar, indeferida por maioria; a ação está conclusa desde fevereiro de 2011. Uma
desigualdade gritante, que permanece no sistema. A divisão do fundo partidário e do
acesso ao rádio e à televisão também é feita desigualmente. Ainda há a questão da
propaganda institucional e seu uso eleitoral, propaganda pouco regulada e menos
coibida.
Nada na Constituição brasileira permite reconhecer a inconstitucionalidade das doa-
ções das pessoas jurídicas. Sequer a aplicação direta do princípio da máxima igualdade
na disputa eleitoral pelo Poder Judiciário, o que desde logo é bastante complicado em
face da existência de múltiplas alternativas para a sua efetivação, não autoriza tal leitura.
No sistema brasileiro, as pessoas jurídicas são titulares de interesses, que não se con-
fundem juridicamente com os interesses de seus sócios. Uma empresa produtora de
bebidas alcoólicas, por exemplo, tem interesse que não se proíba a propaganda de
bebidas. Ou ainda uma empresa ambientalmente responsável pode desejar promo-
ver um programa de governo que opte pelo respeito ao meio ambiente de maneira
mais enfática. Além disso, o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a existência
de direitos fundamentais das pessoas jurídicas.
A OAB afirma que o financiamento dos partidos e das campanhas implica “uma rela-
ção promíscua entre o capital e o meio político” e que “a doação de hoje torna-se o
‘crédito’ de amanhã”. Ainda que exista uma coincidência nefasta entre alguns doa-
dores de campanha e aqueles que realizam contratos com a Administração Pública,
isso demonstra - mais do que a uma insuficiência da legislação eleitoral - uma falta
de cumprimento dos princípios constitucionais da Administração Pública, como a im-
pessoalidade, além do desrespeito às regras de contratação. Representa, ainda, uma
falha dos mecanismos de controle interno e externos da Administração.
Finalmente, a referência à competência do TSE para regular as campanhas eleito-
rais é absolutamente descabida. Não há competência normativa constitucionalmente
conferida à Justiça Eleitoral. O TSE não pode, sequer, editar regulamentos. Apenas
pode expedir instruções, que são atos destinados apenas ao interior da Administra-
ção. Isso é o máximo que se pode admitir como possível no âmbito de regulação da
Justiça Eleitoral. Mais significa incidir em inconstitucionalidade.
As regras eleitorais se referem à concretização do princípio de legitimação do poder
e exigem, para a sua imposição, ampla discussão parlamentar, de caráter deliberativo
e participação das minorias. Apenas o Parlamento pode ditar normas sobre a disputa
eleitoral, dentro dos parâmetros constitucionais.
Ao Poder Judiciário não cabe aperfeiçoar o ordenamento jurídico, retirando do sis-
tema normas com as quais não concorda. Apenas deve afastar dispositivos que con-
trariem a Constituição. Não é legítimo que uma reforma política seja capitaneada por
atores não representativos, sem legitimidade democrática, sob pena de uma contra-
dição performática do discurso. A democracia deve ser regulada na arena democráti-
ca, por atores democraticamente eleitos, democraticamente. E não no tapetão.
* Eneida Desiree Salgado é doutora em Direito e professora dos cursos de
Mestrado da UniBrasil e da Universidade Federal do Paraná.
Por Eneida Desiree Salgado*